Alex Fiúza de Mello (*)
A Universidade Federal Pública brasileira novamente está em greve. Um fenômeno que, nas últimas décadas, se repete, praticamente, a cada dois anos. As razões são, basicamente, duas: 1) arrocho salarial (nos últimos quinze anos, pelo congelamento sucessivo dos salários, houve uma perda real cerca de 50% do poder aquisitivo das categorias); 2) partidarização dos sindicatos (no mesmo período, facções políticas passaram a dominar os sindicatos e a monopolizar decisões e ações no meio acadêmico conforme interesses corporativos de grupo). A primeira razão é de ordem econômica, inequívoca e consensual. A segunda, ancorada na primeira, é de natureza estritamente política, sorrateira e conflituosa.
Todo e qualquer movimento grevista, para ter sucesso, necessita estar respaldado em dois fatores: a) a motivação da ação e b) a capacidade de liderança do movimento para representar o interesse da maioria representada, dialogar com a sociedade e agir de forma inteligente no contexto da correlação de forças posta no cenário. No caso da presente greve, não falta a motivação. A perda salarial de professores e técnico-administrativos, iniciada no Governo Fernando Henrique Cardoso, não foi corrigida pelo Governo Lula, fato que, dada a inflação do período, agravou ainda mais as condições de trabalho e de sobrevivência dessas categorias. Só para se ter uma idéia, o salário bruto médio de aposentadoria de um professor titular, com titulação de doutor e em dedicação exclusiva (depois de dezenas de artigos científicos publicados e gerações de profissionais formadas) é, hoje, pouco mais de R$ 6.000,00, valor equivalente ao salário de início de carreira de um técnico de nível médio do Poder Judiciário – e, certamente, aquém do que percebem muitos ascensoristas e motoristas do Poder Legislativo federal. A motivação de uma greve, portanto, a pré-disposição para o ato é, assim, fenômeno explicável (inclusive a sua permanente reincidência) e justificável perante a sociedade, a considerar-se o descaso sucessivo de Governos no que respeita às prioridades da educação, sempre – e paradoxalmente na contramão da história – considerada mais gasto que investimento nos orçamentos da União.
Se há, pois, motivação suficiente para a greve, não obstante o movimento carece de liderança à altura do empreendimento – o que o torna frágil. Primeiro, porque nunca a maioria das categorias é consultada. As assembléias que decidem a paralisação, quando muito com poucas dezenas de pessoas num auditório (incluídos aposentados), não garantem a vontade explícita de um universo de milhares. Nada obsta que se procedesse, em cada situação – e com facilidade –, um plebiscito, cujo resultado, caso positivo, daria muito mais legitimidade e força à ação. Mas aqui entra um segundo elemento que prejudica a condução do movimento. As assembléias são manipuladas para induzir tão-somente a vontade da facção política militante que está no poder do sindicato. Não é o interesse da maioria da categoria que conta, mas a tática de enfrentamento dos Governos – e a reprodução dos mandantes na direção dos sindicatos (cujas vantagens são inúmeras!...). Há, assim, “que se garantir a greve a qualquer custo!”. Não interessam, aqui, os alunos prejudicados, a sociedade, o contribuinte – nem mesmo a categoria que deveria ser representada. Impera o totalitarismo, a manipulação da imprensa, o embuste, o grito, a acusação, a calúnia, tudo na busca da fabricação de imagens aparentes que possam render, mais à frente, votos – e, quiçá (ainda que isso seja menos importante), a revolução! Por fim, há que se realçar, ainda, a postura arrogante e suicida desses grupos no enfrentamento com o Estado, cuja força, muito superior, não recomenda as táticas que vêm sendo sistematicamente utilizadas – inócuas e improdutivas (o que se ganhou, verdadeiramente, de substantivo nas greves passadas?).
Não é por acaso, pois, que nada até agora tenha sido obtido pelos docentes (ao contrário dos demais servidores, que até carreira nova já possuem); e não menos infantil que, na impotência perante o Estado, partam os “talibãs” para fechar portões de campi, de hospitais universitários, invadir reitorias e impedir a realização de exames Vestibulares, como se quebrando as máquinas – a exemplo dos operários do início da Revolução Industrial – pudessem atingir o coração do capital. Erram o alvo. Falham na tática. Atingem quem já é vítima (sobretudo a população pobre). E, como resultado, enfraquecem, aos poucos, o movimento – e a sua legitimidade perante a sociedade.
Os professores estão de braços cruzados em 30 Universidades Federais públicas brasileiras porque estão ganhando muito mal; não porque estão sendo bem liderados (aliás, muitos já se desfiliaram dos sindicatos). Perdem continuamente pelo descaso dos Governos – e pela manipulação e impotência de um esquerdismo infantil e oportunista que se instalou na maioria das máquinas sindicais. Da mesma forma, a Universidade pública – patrimônio de todos e fundamento da nação –, mal cuidada, esquartejada, apanha insanamente dos dois lados, como se dela (a única que produz conhecimento) não dependesse em grande medida o futuro do país, inclusive a economia (a capacidade nacional de inovação). Na cana-de-braço, ao que parece, o que conta menos é a instituição universitária. Mata-se a galinha dos ovos de ouro.
Para a área financeira do Governo universidades públicas paradas não impactam as metas e os indicadores econômicos – o que é um grande equívoco em longo prazo!; para a força política dominante nos sindicatos, quanto mais impasse, melhor, pois o que conta – eis a tática! – não é a solução do problema, mas o conflito em si. Nas mãos desses “interessados” negociadores fica a massa de uma Academia silenciosa, empobrecida, esgotada, despolitizada. E a greve, mais uma vez sem solução, se arrasta...
E os estudantes? Bem, talvez para ambos os lados isso já não passe que de um “detalhe” – sem muita importância...
(*)Reitor da Universidade Federal do Pará.
Membro do Conselho Nacional de Educação.
Pós Doutorado em Ciência Política pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales de Paris.
Membro do Conselho Nacional de Educação.
Pós Doutorado em Ciência Política pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales de Paris.
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