14.10.05

Doxa

O Outro Lado da Greve

Alex Fiúza de Mello (*)



A Universidade Federal Pública brasileira novamente está em greve. Um fenômeno que, nas últimas décadas, se repete, praticamente, a cada dois anos. As razões são, basicamente, duas: 1) arrocho salarial (nos últimos quinze anos, pelo congelamento sucessivo dos salários, houve uma perda real cerca de 50% do poder aquisitivo das categorias); 2) partidarização dos sindicatos (no mesmo período, facções políticas passaram a dominar os sindicatos e a monopolizar decisões e ações no meio acadêmico conforme interesses corporativos de grupo). A primeira razão é de ordem econômica, inequívoca e consensual. A segunda, ancorada na primeira, é de natureza estritamente política, sorrateira e conflituosa.
Todo e qualquer movimento grevista, para ter sucesso, necessita estar respaldado em dois fatores: a) a motivação da ação e b) a capacidade de liderança do movimento para representar o interesse da maioria representada, dialogar com a sociedade e agir de forma inteligente no contexto da correlação de forças posta no cenário. No caso da presente greve, não falta a motivação. A perda salarial de professores e técnico-administrativos, iniciada no Governo Fernando Henrique Cardoso, não foi corrigida pelo Governo Lula, fato que, dada a inflação do período, agravou ainda mais as condições de trabalho e de sobrevivência dessas categorias. Só para se ter uma idéia, o salário bruto médio de aposentadoria de um professor titular, com titulação de doutor e em dedicação exclusiva (depois de dezenas de artigos científicos publicados e gerações de profissionais formadas) é, hoje, pouco mais de R$ 6.000,00, valor equivalente ao salário de início de carreira de um técnico de nível médio do Poder Judiciário – e, certamente, aquém do que percebem muitos ascensoristas e motoristas do Poder Legislativo federal. A motivação de uma greve, portanto, a pré-disposição para o ato é, assim, fenômeno explicável (inclusive a sua permanente reincidência) e justificável perante a sociedade, a considerar-se o descaso sucessivo de Governos no que respeita às prioridades da educação, sempre – e paradoxalmente na contramão da história – considerada mais gasto que investimento nos orçamentos da União.
Se há, pois, motivação suficiente para a greve, não obstante o movimento carece de liderança à altura do empreendimento – o que o torna frágil. Primeiro, porque nunca a maioria das categorias é consultada. As assembléias que decidem a paralisação, quando muito com poucas dezenas de pessoas num auditório (incluídos aposentados), não garantem a vontade explícita de um universo de milhares. Nada obsta que se procedesse, em cada situação – e com facilidade –, um plebiscito, cujo resultado, caso positivo, daria muito mais legitimidade e força à ação. Mas aqui entra um segundo elemento que prejudica a condução do movimento. As assembléias são manipuladas para induzir tão-somente a vontade da facção política militante que está no poder do sindicato. Não é o interesse da maioria da categoria que conta, mas a tática de enfrentamento dos Governos – e a reprodução dos mandantes na direção dos sindicatos (cujas vantagens são inúmeras!...). Há, assim, “que se garantir a greve a qualquer custo!”. Não interessam, aqui, os alunos prejudicados, a sociedade, o contribuinte – nem mesmo a categoria que deveria ser representada. Impera o totalitarismo, a manipulação da imprensa, o embuste, o grito, a acusação, a calúnia, tudo na busca da fabricação de imagens aparentes que possam render, mais à frente, votos – e, quiçá (ainda que isso seja menos importante), a revolução! Por fim, há que se realçar, ainda, a postura arrogante e suicida desses grupos no enfrentamento com o Estado, cuja força, muito superior, não recomenda as táticas que vêm sendo sistematicamente utilizadas – inócuas e improdutivas (o que se ganhou, verdadeiramente, de substantivo nas greves passadas?).
Não é por acaso, pois, que nada até agora tenha sido obtido pelos docentes (ao contrário dos demais servidores, que até carreira nova já possuem); e não menos infantil que, na impotência perante o Estado, partam os “talibãs” para fechar portões de campi, de hospitais universitários, invadir reitorias e impedir a realização de exames Vestibulares, como se quebrando as máquinas – a exemplo dos operários do início da Revolução Industrial – pudessem atingir o coração do capital. Erram o alvo. Falham na tática. Atingem quem já é vítima (sobretudo a população pobre). E, como resultado, enfraquecem, aos poucos, o movimento – e a sua legitimidade perante a sociedade.
Os professores estão de braços cruzados em 30 Universidades Federais públicas brasileiras porque estão ganhando muito mal; não porque estão sendo bem liderados (aliás, muitos já se desfiliaram dos sindicatos). Perdem continuamente pelo descaso dos Governos – e pela manipulação e impotência de um esquerdismo infantil e oportunista que se instalou na maioria das máquinas sindicais. Da mesma forma, a Universidade pública – patrimônio de todos e fundamento da nação –, mal cuidada, esquartejada, apanha insanamente dos dois lados, como se dela (a única que produz conhecimento) não dependesse em grande medida o futuro do país, inclusive a economia (a capacidade nacional de inovação). Na cana-de-braço, ao que parece, o que conta menos é a instituição universitária. Mata-se a galinha dos ovos de ouro.
Para a área financeira do Governo universidades públicas paradas não impactam as metas e os indicadores econômicos – o que é um grande equívoco em longo prazo!; para a força política dominante nos sindicatos, quanto mais impasse, melhor, pois o que conta – eis a tática! – não é a solução do problema, mas o conflito em si. Nas mãos desses “interessados” negociadores fica a massa de uma Academia silenciosa, empobrecida, esgotada, despolitizada. E a greve, mais uma vez sem solução, se arrasta...
E os estudantes? Bem, talvez para ambos os lados isso já não passe que de um “detalhe” – sem muita importância...

(*)Reitor da Universidade Federal do Pará.
Membro do Conselho Nacional de Educação.
Pós Doutorado em Ciência Política pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales de Paris.

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