21.12.05

Titanic

Impiedoso, Janio de Freitas mostra, na Folha de S. Paulo, hoje,as seguidas oportunidades que o PT está perdendo com os desdobramentos da crise,e como ela pode ser,para ele,mais longa do que se imagina,ou do que deveria.

Reuniões a Bordo

"Foi uma impressão impiedosa, reconheço. Nas cenas da reunião ministerial com Lula, a mesa em forma de convés de navio me pareceu de uma propriedade decorativa impecável. Não, não sugeria estarem os tantos presentes no mesmo barco. Mas a melancolia daqueles governantes, retrato do ano sem terem o que comemorar, juntou-se ao convés em uma sugestão fulminante: é o Titanic. Um volume gigantesco de boas expectativas que afunda, patético e ridículo.

Lula descobre que quatro anos passam depressa, e só lhe falta mais um no mandato. Repete agora esse pasmo quase como refrão, com pequenas variações, a cada dia. Sem dar mostra, porém, de acreditar na recuperação do tempo esbanjado: o que pede aos ministros são remendos, sem concepção alguma de objetivos de governo, nenhuma linha orientadora. "Precisamos gastar mais", "vamos começar as liberações já", "precisamos fazer os juros cair mais" -e cada um por si, procurando o sentido com seu próprio fósforo, na escuridão de idéias e no vazio das discordâncias.

Não há como imaginar tanta gente agrupada sob o rótulo de "reunião ministerial", com o adendo esclarecedor, e talvez aliviante, de tratar-se da "quarta e última do ano". E a primeira "reunião ministerial" digna desse nome, quando será? A explosão demográfica em torno da mesa, bela e extensa como as mesas dos castelos medievais, pelo menos estava de acordo com uma sábia lei da política: para nada resolver, é só convocar uma reunião numerosa ou nomear uma comissão idem.

Hoje Lula fará outra descoberta: ainda existe um partido chamado PT, que saiu de suas considerações políticas há três anos, mas tem setores dispostos a lhe fazer cobranças públicas perturbadoras no ano eleitoral. Se mantida a lógica decorativa, irão todos para a mesa-convés. Mas não há por que esperar resultado diferente: nem Lula tem planos que aplaquem as inquietações petistas, surgidas com a proximidade eleitoral, nem o PT se mostra capaz de uma atitude em coerência com seu passado e em defesa do seu futuro."

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