Eu me rendo!
Depois de quase tres meses de postagem diária e solitária,pouco menos de 500 posts,preciso diminuir o ritmo.Guardar os dias santos, voltar ao Marajó, meu acumulador praticamente abandonado desde o nascimento do Quinta.Além das demandas do trabalho, que em 2006 vão ser maiores.
Para não deixar frustrados meus seis leitores que passarem no blog,pensei numa saída.
A partir de hoje,principalmente sábados e domingos,republicarei coisas que postei, aqui e em outros sites e blogs de amigos. É o Arquivo 5a,que começa pela cronica que publiquei em 2003,no site de uma empresa de assessoria de imprensa local.
Ela é uma viagem aos anos 50(gulp!) do século passado, quando saía de Belém para as férias,num balneário a 60 km da capital.
Naquela época (de ouro?) não havia a ligação rodoviária que hoje deixa a ilha de Mosqueiro quase um bairro de Belém.O único acesso era pelo navio,o...bem,segue a estória.
O Presidente
Conheci os dois últimos presidentes da República e o atual.
Entrevistei o senador Fernando Henrique e o deputado Lula.Com José Sarney, já ex, discuti as estratégias de marketing de uma campanha política.
Guardo lembranças interessantes desses encontros.
FHC usava um verniz para esconder sua arrogância: é um sujeito muito educado.
O mesmo truque usado por Sarney, embora sem o mesmo brilho, talvez pela diferença de conteúdos.
Lula, sem verniz, desconfiou até o momento que confiou.Depois, informal e carismático, abraçou-nos a todos.
Mas a minha maior lembrança presidencial vem mesmo é do Getúlio.
Não o presidente, que saiu da vida e entrou para a história um ano antes de começar a minha. Falo do navio, o Presidente Vargas.
Uma lembrança mágica para mim. Guri, muito cedo era acordado nos dias de viagem. Ia meio dormindo, muito mal humorado. No embarque, ainda escuro, só pensava na gostosa poltrona que me caberia no salão de passageiros.
Na estação um corre corre só. Passageiros e carregadores, aos gritos e puxões, despachavam bagagens e sonhos. Nosso carregador era o Sete, um surdo mudo moreno e parrudo, que empilhava nas costas várias caixas de madeira cheias de gêneros e víveres, comprados ao Vesúvio, bien sur.
Este mesmo Sete, já em Mosqueiro, pedalando uma Merckswiss verde, virava jornaleiro e espalhava as notícias pela ilha.
O último apito, a largada e a viagem começava. Era curta pra mim , mosqueirense.
Mangava dos meninos de Soure e Salvaterra, bem mais longe, do outro lado da baía. Terras distantes que enxergava a silhueta, no horizonte do fim de tarde no Farol, o sol estourando no barrento dourado da maré.
Mas lamentava a viagem curta, principalmente pelo que rolava depois do rápido cochilo na poltrona : éramos chamados para o café.
Um charmoso bar nos esperava. Longo balcão de madeira polida, bancos altos, mesas redondas e quadradas, cadeiras e sofás, cheiro de café, pão com manteiga, toalhas de linho branco... e (ainda) muito sono.
No desembarque outro corre corre, um interminável trapiche, aqui e ali esburacado. Era um tal de bora menino pra todos os lados, coisa de mãe.
E tome vaia nos que seguiam a viagem ou mesmo para os tipos mais exóticos que desembarcavam.
Ao final da rampa estava o Cecy, numa daquelas caminhonetes americanas dos anos 40, frisos de madeira, todas as portas abertas a nos levar para casa.
Lá o sono passava. Começavam as férias.
Quarenta anos depois mudei para o outro lado da baía, onde vejo a falta que faz aquele elegante navio, soçobrado pela iniquidade dos interesses náufragos dos que, assim contam, conduziam o seu timão.
Esse foi o presidente que acalentou minhas primeiras andanças pelo mundo, tão perto mundo quão grande a aventura de uma criança.
Bons tempos. Saudades, Presidente.
2 comentários:
Bro, esse texto matou! "soçobrado pela iniquidade dos interesses náufragos"! "Passageiros e carregadores, aos gritos e puxões, despachavam bagagens e sonhos"! Isso é poesia pura, demais mesmo! Boa estréia e que seja bem-vindo o "Atquivo 5ª"! Abração irmão!
Ancestral,ahahah...voce é que é demais.Essa viagem eu fazia duas ou tres vezes por ano.A caminhonete americana levava duas,tres famílias de cada vez.Havia ainda um sanduba de mortadela que só fui "reencontrar" aí em Sampa.Era um navio holandes,elegantíssimo, que chegouzero bala em Belém.E a época era sim,pura poesia.era a infância,Bro.Abração.
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