15.8.07

A Ordem Natural da Vida

Por Cristovam Sena.

Venho acompanhando através do Quinta Emenda a democrática discussão sobre a divisão do Pará e a criação de novos estados, agora mais efervescente do que nunca. Resolvi participar dessa discussão expondo o que penso sobre esse conflito de interesses regionais envolvendo o Sul/Sudeste do Pará e a metrópole.

Procurarei fugir da armadilha das “listas de abaixo assinados” e dos “estudos encomendados”, geralmente contestados por quem se vê prejudicado pelos números e conclusões apresentados por eles. Não por considerá-los desnecessários nesse embate que travam grupos político-econômicos, mas porque desejo me posicionar analisando por outro prisma. Um ponto de vista mais sentimental do que técnico.

O que vou escrever agora todo paraense sabe ou deveria saber, mas é sempre bom relembrar. No início, nossa metrópole adminstrava um Estado gigantesco, o Estado do Grão-Pará, integrado pelas regiões dos atuais estados do Amazonas, Roraima, Pará, Amapá, Maranhão e Piauí, com capital em Belém.

Em 20 de agosto de 1772 essa imensidão de terra foi dividida em duas regiões administrativas: Estado do Grão-Pará e Rio Negro, com capital em Belém, e Estado do Maranhão e Piauí, com capital em São Luís. Em 5 de setembro de 1850 nova divisão: o Grão-Pará foi desmembrado em duas unidades, a Província do Amazonas e a Província do Pará, que seriam denominadas como estados após a Proclamação da República. Mesmo desmenbrados continuaram gigantes no tamanho, representando mais de um terço do território brasileiro. Ainda ocorreram outras subdivisões menores e, numa delas, foi desmembrado o Amapá do Pará.

Alguém pode perguntar por que essas divisões acontecem. O geógrafo Eidorfe Moreira nos ensina que o homem e a natureza são expressões completamente indissociáveis, que as regiões geográficas são entidades vivas, por isso crescem, desenvolvem-se, evoluem, emancipam-se. Ficarei com essa explicação do mestre, deixando de lado as lições que envolvem a geopolítica ou coisa parecida.

A população da região que contém a bacia do Tapajós e o Médio Amazonas e que hoje pleiteia adquirir o status de Estado, nesses anos todos que se passaram desde a chegada dos jesuítas em meados do século XVII, cresceu, desenvolveu-se, evoluiu e agora quer emancipar-se. Naturalmente, como acontece nas famílias com a emancipação dos filhos.

Na família, os pais investem nos filhos pensando nas suas emancipações. A partir dessa data são eliminadas despesas e os pais, muitas das vezes, dão graças a Deus pela suas saídas de casa. Quando é uma filha, na brincadeira, chegam a dizer que descontaram uma promissória. Mesmo os filhos sendo bem tratados pelos pais um dia emancipam-se. É um dia de festa para eles. Saem felizes e vão constituir uma nova família. É a ordem natural da vida.

Se os filhos bem tratados pelos pais já trazem na alma o germe da emancipação arraigado ao peito, imaginem como deve ser esse sentimento no peito de um filho maltratado. Principalmente se ele participa ativamente na formação da riqueza da família, e assiste inerme e inerte o pai dissipar essa riqueza alimentando extravagantes caprichos pessoais.

Essa conversa que a emancipação da região não passa de esperteza de políticos é papo furado. Mesmo que fosse, eles passam e o estado fica. Ela representa sim um sentimento que é fruto do próprio desenvolvimento da região e que vem de muito longe, alimentada anos a fio pela indiferença da metrópole perdulária.

Sei que não é fácil a metrópole aceitar a emancipação como fato natural e não esquartejamento do território paraense. Deveriam muito bem saber que a chegada dessa realidade vinha sendo adiada, agora só resta encará-la.

Em 1877 foi lançado o livro do admirável escritor obidense Inglês de Sousa, “O coronel sangrado – cenas da vida do Amazonas”. No terceiro capítulo do livro, o personagem Miguel descreve uma viagem sua de Belém até Óbidos. Miguel faz pequenos comentários sobre os pontos em que o paquête “Madeira” ia atracando durante a viagem:


“Durante os três dias que durou a viagem tocamos em diversas vilas e cidadezinhas do interior – Breves com as suas casinhas de sobrado, a sua ponte de desembarque, sua indústria de objetos de barro; Gurupá com sua encantadora colina e a fortaleza; Porto de Mós, à margem do Xingu, com a sua linda praia; Prainha; Monte Alegre, donde se goza do mais admirável panorama, e onde se bebe excelente água; Santarém, a rica, a florescente, a soberba rainha do Tapajós, futura capital do Baixo-Amazonas, e finalmente Alenquer.”


Maktub!

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O blog voltará a ser atualizado a partir das 10 hs.

6 comentários:

José Carlos Lima disse...

O Cristovão fala de um processo natural de emancipação, misturado com o desejo de poucos, para explicar um sentimento que acha existir no povo do Baixo-amazonas.
Quando Eu estava exercendo o cargo de Deputado Estadual propus a criação de uma comissão que percorreu os principais muncípios das duas regiões ouvindo as pessoas, no final produzimos dois relatórios e um relatório final sobre a divisão, procurem, está na Assembléia Legislativa e é patrimônio público.
Pois bem. Nestas viagens senti, sinceramente, que o sentimento de separação existe em líderes e o que a população deseja são dias melhores e a resolução de seus problemas. No Sul e Sudeste os líderes apresentam o Estado do Tocantins como exemplo de prosperidade, hoje, o Jornal Bom Dia Brasil mostrou a pobreza do povo do Tocantins que nem água potável tem. No Oeste, percorremos vários municípios, sinceramente o sentimento é da Elite de Santarém.
As pessoas não vivem no Estado, pois este é uma abstração. Elas vivem em municípios. Criar um Estado não acho nada grave como alguns querem fazer parecer, nem acho que é a salvação. A criação de um Estado decorre de uma conveniência administrativa de parte do Território, portanto, vamos deixar o poeta e sua individualidade em paz, pois tem para todos os gostos, e partir para o debate da conveniência ou não de se gastar uma determinada soma em recursos para implantar novas unidades federais.

Anônimo disse...

Texto lindo , raciocínio simplório.
Abs
Tadeu
Apesar de que não tenho direito a opinião senão pelo carinho com o Pará.De resto me falta as bases e os conhecimentos para uma opinião abalisada e o Cristovam certamente tem.

Anônimo disse...

Concordo com o ex-deputado, o caso é tão somente de conveniência dos gastos a serem gerados para a criação do(s) estados(s). Estes gastos estão em algum estudo? Quanto custará implementar o Estado do tapajós? E o de Carajás? Será que investir este dinheiro com mais responsabilidade do que se tem tido até aqui não trará mais resultados aos moradores destas regiões? Realmente já foi feito um estudo sobre a capacidade de geração de impostos e renda, sem falar em empregos, nestas regiões? E quanto do dinheiro gerado será realmente aplicado na melhoria de qualidade de vida dos seus moradores e quanto no sustento de novos poderes executivos, legislativos e judiciários, que irão funcionar de que maneira até a real implantação dos estados? Não deixarão as populações mais desassistidas ainda enquanto se espera pela boa vontade da união liberar verbas para a criação dos Estados, em tempos de eternos e previsíveis contingenciamentos de verbas públicas?
Enfim, se dividir gerasse riquezas, não veríamos tantos novos municípios sendo sustentados pelo F.P.M., e tendo este fundo como única fonte de renda do município. As lideranças destes possíveis novos estados não estão levando em conta os problemas que herdarão(ou não querem), e que são conhecidos e não decorrem exclusivamente do fato de pertencerem ao Pará, como querem fazer acreditar aos seus futuros possíveis (e desejados) eleitores.
Por exemplo, a região onde se quer fazer criar o estado do Tapajós vivia, até o ano passado, na expectativa de se tornar um celeiro de grãos para o Brasil e o mundo, mas bastou uma campanha para que não mais se comparasse soja da Amazônia, com grandes reflexos na economia, que podem ser medidos, entre outras maneiras, pela queda nas taxas de desmatamento em todo o oeste do Pará.
Na região de Marabá, a crise é outra, embora também ligada ao ambiente, com falta de carvão para alimentar guseiras, a grande locomotiva do “progresso” na região, embora não só dele ela viva. Assim sendo, deve o povo destas regiões pensar se a criação de estados nelas não será um tiro no pé, pelo menos por enquanto. Afinal, os estados que baseiam suas economias em recursos federais, nos dias de hoje, estão muito mal das pernas, como Alagoas, Rondônia e outros mais, pois o governo federal é um pai muito egoísta.

Anônimo disse...

Grande Cristovam!!!
Uma verdadeira aula.

Tiberio Alloggio

Unknown disse...

Grande Tibério!
Prazer em revê-lo.
Mande uma de suas aulas aqui pro Quinta,italiano.
Abs

Anônimo disse...

“...vejo benéfica para Belém, como cidade, a criação do Tapajós e Carajás. A capital paraense é hoje um aglomerado metropolitano de problemas estruturais, cuja solução não se vislumbra. Imagino que, se houvesse debate a respeito dos problemas paraenses, a questão da criação dos dois Estados seria vista como potencialmente benéfica para a solução dos problemas da atual capital, com a descentralização das migrações em direção a Santarém e Marabá. O que fariam lá, só Deus sabe...”