O e. mail do publicitário Chico Cavalcanti ao blog, a propósito do debate nos comentários do post Gregos e Troianos.
Juvêncio,
somente ontem tomei conhecimento da polêmica que aconteceu em seu prestigiado blog acerca dos feitos e façanhas dos marketeiros Orly Bezerra e Chico Cavalcante.
Lisonjeado, li com atenção as opiniões e achei interessante a oposição que se faz aos nossos nomes, como se fossemos inimigos em eterna contenda, acumulando pontos ao derrotar um ao outro em cada peleja eleitoral.
É dessa matéria-prima que se criam as lendas.
Mas na vida, as coisas nem sempre são como parecem. Via de regra, a vida esconde sua essência em aparência e simulacro
Escrevi em meu livro “O novo marketing político” que marketeiro não ganha eleição. Acredito nisso. Nossa função é melhorar crescentemente a imagem do candidato, do partido ou do governo para o qual trabalhamos. Nossa missão é que ele saia de uma eleição melhor do que entrou nela. Fazemos isso melhor quando acreditamos nos atributos e conceitos imanentes dessas pessoas e instituições.
Mas não ganhamos eleição. Uma vitória eleitoral é fruto de um conjunto de circunstâncias e fatores do qual o marketing é apenas mais um componente. Talvez o mais visível, mas nunca o mais importante ou o decisivo.
Somente candidatos ganham eleições. Este é um imperativo categórico. Portanto, não foi o Chico Santa Rita quem ganhou a eleição Collor versus Lula. Foi Collor. Não foi Nizan Guanaes quem ganhou a disputa FHC versus Lula. Foi FHC. Não foi Duda Mendonça quem ganhou a eleição Lula versus Serra. Foi Lula. Não foi o Chico Cavalcante quem ganhou a eleição Edmilson versus Duciomar em 2000, foi o Edmilson. Não foi o Orly quem ganhou a eleição Jatene versus Maria em 2002, foi o Jatene.
Talvez seja bom para os negócios dizer que a gente pode fazer milagre. Mas não podemos. Ou nosso candidato ganha ou não ganhamos eleição. Essa é a dura lição da democracia. Sem plano, sem candidato, sem logística, não há vitória possível no horizonte democrático. Eleição não é futebol, onde o acaso ou um juiz ladrão pode decidir uma partida.
A analogia máxima entre eleição e futebol é dizer que somos técnicos, mas não fazemos gols, não batemos nem defendemos penaltis.No campo, nossos craques têm que saber jogar, defender, atacar, finalizar na direção certa, fazer gols, impedir o adversário de fazê-lo.
A polêmica Orly versus Chico ou vice-versa é uma polêmica que camufla a oposição de projetos políticos com os quais nossa carreira profissional acabou se confundindo, mas não é uma polêmica real entre duas pessoas.
No máximo expressa uma diferença de método, natural em profissionais que atuam em áreas afins, mas em condições materiais distintas.Esse debate, contudo, me deu agora a oportunidade de manifestar, pela primeira vez em público, meu carinho e respeito pelo Orly e minha admiração por sua trajetória profissional.Trabalhei na Griffo por bons sete anos da minha vida. Aprendi muito e, creio, deixei minha marca na história da agência. Somente outro dia, vendo o portifólio distribuído pela Griffo percebi o quanto ainda faço parte de sua trajetória. A Vanguarda, agência que criei em 1992, quando sai da Griffo, é hoje uma agência The Hot Tops (uma das melhores do Brasil), como a Griffo o é.
Isso mostra que boas árvores invariavelmente dão bons frutos.
Pelo que me diz respeito, somos, eu e Orly, apenas dedicados e eficientes profissionais de comunicação. Como trabalhamos dando ênfase à atividade de marketing político, acabamos nos constituindo em concorrentes. Mas não somos inimigos. Nossas empresas competem por mercado e por votos.
E essa é a margem, a fronteira, de nossa contenda.
Inimigos buscam o aniquilamento, inclusive físico, do contendor. Nós apenas queremos a vitória das bandeiras que nos foram entregues para empunhar e defender e que abraçamos porque quisemos abraçar. Tudo isso está mais para um jogo de guerra do que para uma guerra real. No final contamos votos e não mortos. Contamos votos e não prisioneiros. E a batalha haverá de se repetir, como reza a regra democrática, a cada dois anos.
Olhando de perto acho que, francamente, há mais semelhanças e similitudes do que diferenças no modo como eu e Orly disputamos a atenção para os candidatos que defendemos. O modo vigoroso de lidar com a vida e com a profissão gera um rigor que as pessoas às vezes confundem com belicismo, com agressividade. Não é. O que eu sou é um combatente pelas causas que abraço. Brigo por elas, com vigor de quem está brigando a primeira e a última de suas batalhas. O Orly faz o mesmo. E deve continuar a fazê-lo.
Meu pai me ensinou que para viver em paz é preciso aprender a conviver com a diferença. Rejeitá-la ou negá-la nos coloca em eterno confronto com os fatos.
Isso não significa abrir mão de nossas idéias, mas admitir que a existências de idéias diferentes é parte da riqueza da cultura humana e da vida social. E respeitar aquilo que nos faz únicos é uma forma de admitir a diferença como atributo humano imprescindível. A civilização, não apenas a nossa, mas todas as que se desenvolveram ao longo da história, depende, para sobreviver, de sua capacidade de harmonizar as diferenças.
Somos escribas de nossa tribo. E não pajés. Como marketeiros políticos da selva amazônica, “spins doctors” da floresta, somos responsáveis por expor as diferenças políticas e conceituais através de argumentos compreensíveis e persuasivos. Sem isso, a política transformaria facilmente oponentes em inimigos.
É a falta de argumento que leva a política à danação, à intolerância e, então, às ditaduras e tiranias. O debate é sempre salutar, é sempre construtivo. Afinal, não é a guerra a política por outros meios, como ensina Lenin?
Que em 2006 a gente possa, como sempre, fazer a disputa com as armas da inteligência.
É assim que se faz.
Um abraço,
Chico
Abraço prá voce tb.
3 comentários:
Meu caro Juca,
Concordo em gênero, número e grau com as palavras do Chico Cavalcante: quem ganha a eleição é o candidato, sem essa de vitória ou derrota do marqueteiro. A análise que ele faz é correta, precisa. E coloca as coisas nos seus devidos lugares.
Um forte abraço,
Orly Bezerra
Parabéns ao Orly pela sinceridade.
Parabéns ao Chiquinho pela humildade.
Chiquinho, pelo seu texto, mostra que evoluiu, nada parecendo ao carrancudo entrevistado do Mauro Bonna, há alguns anos.
O Orly, como vinho da boa safra, sempre cada vez mais maduro.
Um brinde aos dois.
Miguel Oliveira
Achei maravilhosa a análise que Chico Cavalcante fez da atividade profissional do marketeiro político, dos limites e possibilidades de sua atuação. Não o conheço pessoalmente mas tenho uma curiosidade crescente em conhecê-lo. Clareza, precisão, humildade, senso democrático, texto primoroso, que flui naturalmente. Parece ser um homem madujro, embora não deva ser ainda um homem de 50 anos.
Que esse seu exemplo fique marcado em nossa memória. A réplica do Orly também foi correta, como disse Miguel Oliveira, mas contida. Esperava ver aqui duas ou três palavras que dignificassem as palavra de Chico Cavalcante. Mas já é um gesto. E um gesto vale mais que mil palavras.
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