23.2.06

Somos Todos Dinamarqueses



Em primeiro lugar, é necessário reafirmar que tanto a liberdade de expressão como a liberdade religiosa incluem a liberdade de crítica da religião. Incluem, também, a recusa de interferência dos governos na regulação da opinião publicada. O que os governos da Arábia Saudita e da Líbia fizeram foi, simplesmente, tentar alargar o seu domínio autoritário para fora dos seus países e controlar a opinião pública numa nação democrática. O que não pode ser tolerado: por isso hoje somos, todos, dinamarqueses.
Em segundo lugar, é importante esclarecer que não deve ser aceite o argumento do “insulto à religião” (neste caso islâmica). Só faz sentido falar em insulto quando dirigido a indivíduos concretos, não a idéias. Além do que insulto não é o mesmo que ridicularização de uma idéia de outrem, mesmo que esse outrem sacralize essa idéia. No dia em que categorias como a do “insulto” puderem ter um âmbito tão alargado, abriríamos caminho ao mais abjecto totalitarismo. Este entendimento alargado do âmbito do “insulto” constitui, aliás, uma das manifestações de uma orientação comum profundamente iliberal: aquela que diz que “devemos respeitar as idéias dos outros, mesmo que com elas não concordemos”. Orientação que, curiosamente (ou talvez não), anda com freqüência de braço dado com a completa falta de respeito pelas pessoas concretas — e esse respeito, sim, é exigível sem reticências (por isso a inaceitabilidade de, por exemplo, maus-tratos a criminosos condenados). Quanto às idéias divergentes, estas podem e devem, pelo contrário, ser publicamente confrontadas, constituindo o humor, mesmo que desbragado, recurso legítimo nesse confronto. Pelo menos numa sociedade democrática liberal.

(Excerto de artigo de Rui Pena Pires, do blog português O Canhoto.O negrito é nosso)

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