5.12.05

Um periscópio na esquina

................................................................Por Walter Pinto

Do ponto de observação do bicheiro da esquina, é possível controlar tudo. Da chegada da polícia pra pegar o da merenda à escapadela da mulher do açougueiro, passando pela vida de todo os moradores do prédio de dezoito andares à sua frente.
Encostado à parede do açougue Fé em Deus, o bicheiro vira seu periscópio para o lado que lhe convém, pois conhece o horário de todos, seus hábitos, manias e esquisitices.
O bicheiro da esquina sabe, inclusive, o que sonhou as madamas na noite anterior. Suas observações, quando insuficientes, são amparadas por dados coletados em boa fonte, as muitas empregadas domésticas que levam as apostas dos patrões todos os dias.
Com esse vasto conhecimento adquirido, o bicheiro da esquina é o legítimo sucessor do antigo barbeiro, profissão em extinção desde que as barbearias sucumbiram à massificação dos salões de 1,99.
Antes do bicheiro de esquina, quem controlava a vida de todos era o barbeirinho. Enquanto passava a máquina zero na cabeça da molecada, ele ia perguntando como quem não quer nada. Conversa vai, conversa vem, ei-lo sabedor de intimidades alheias.
Mal o cliente seguinte senta na velha Ferrante, o barbeirinho se apressava em passar adiante as novidades: - rapaz, tu não sabes da última... E toma a contar detalhes escabrosos da vida alheia, alguns inventados por ele mesmo naquele exato instante.
O barbeirinho hoje está aposentado pelo INPS. Quando vai receber a mixaria, não esquece de passar no ponto do bicheiro. O encontro dos dois é como um conclave de cardeais. É tempo de reciclar conhecimentos numa interação mútua, que alia experiência e contemporaneidade.
À noite, quando encerram as apostas do Paratodos, o bicheiro da esquina espera o volante passar de motocicleta recolhendo as apostas. Enquanto isso, joga dominó com velhos companheiros, alguns do edifício à frente.
Outro dia, perdeu uma rodada que estava no papo para o Paulinho do décimo-primeiro andar. Sentiu uma raiva enorme. Uma vontade de dizer ao cara tudo que sabia sobre a mulher dele, uma vagabunda que recebia o amante na cama do Paulinho. Corno! Corno é o que ele era!
Mostrando-se superior aos fatos, consciente de que não é ético se utilizar de informações privilegiadas, o bicheiro da esquina contém a fúria.

2 comentários:

Anônimo disse...

Juca, bela crônica! Até hoje só conhecia o periscópio do anti-herói no Pêndulo de Focault do Umberto Eco! Genial! Estou tentando montar um blog por aqui (http://www.jerwitz.blogspot.com)!Abração!

Unknown disse...

Valu Boy,vou dizer pro Walter quem é voce.E vou já lá no blog novo...Abração,irmão.