25.1.07

Universidade e Estado

O blog do Afonso Klautau foi o único a repercutir, na segunda que passou, o artigo do reitor da UFPA, Alex Fiúza de Mello, publicado no domingo, e o Repórter Diário, na edição de hoje do Diário mostra os números: são 45 docentes cedidos ao governo do Pará nesta administração.
Aqui está o artigo, para quem ainda não leu.


Discute-se, nos meios políticos locais, sobre a pertinência da composição do Governo por sujeitos, na maioria, oriundos da academia. Uns defendem a inadequação da escolha em razão de uma suposta inexperiência política e/ou administrativa de professores universitários na gestão da coisa pública; outros, apoiados na premissa de que acadêmicos viveriam no mundo “irreal” da abstração e das idéias, apontam o perigo da ineficácia na condução dos processos decisórios em nível dos aparelhos de estado, sempre permeados pelos conflitos de interesses e pelo jogo político-corporativo.
Trata-se, na verdade, o falso dilema de um preconceito provinciano que não se sustenta nem teórica, nem historicamente, na medida em que contradiz as evidências empíricas mais banais legadas pelas experiências de exercício do poder de estado, aqui e alhures.
A presença de acadêmicos em qualquer Governo não é garantia de sucesso a priori na condução de políticas públicas eficazes, nem muito menos condenação de seus resultados. Mas deveria ser motivo de orgulho, em princípio, para qualquer sociedade. Afinal, qual melhor critério para o mando que o esclarecimento e o mérito? – ou preferimos o parentesco? a carteirinha do partido? o apadrinhamento político?
As grandes nações sempre convocaram alguns de seus melhores acadêmicos para ocupar postos estratégicos nas estruturas de estado. Parte significativa dos assessores e ministros que tem servido os Governos do país mais poderoso do mundo, os Estados Unidos, é proveniente de grandes universidades, como Harvard, Columbia, Stanford, Berkley, MIT, etc. Da mesma forma, o Reino Unido se utiliza dos intelectuais de Cambridge, de Oxford, da London School, como a França das Grandes Écolles.
Por que, então, o estranhamento?
Nos países desenvolvidos, ser membro da academia é sinal de status, de reconhecimento público. Nenhum acadêmico sério renega tal origem. Afinal, significa ser educador e formador das elites, dos profissionais de ponta, dos cientistas e artistas, formulador das idéias e descobertas que orientam o imaginário social e a opinião pública.
A convocação de acadêmicos para o Governo local não é, a seu turno, nenhuma novidade. Todos os Governos passados – quem mais, quem menos – recorreram à universidade para compor parte de seus quadros. E este é um dos papéis da academia!
O ex-governador Simão Jatene, ele próprio, é professor da UFPA, da mesma forma que parte substantiva do seu secretariado: Tereza Cativo, Paulo Machado, Paulo Chaves, Rosa Cunha, Mário Ribeiro e outros – todos estrelas de primeira grandeza.

Foi na Universidade que esses senhores se formaram, se qualificaram, se titularam, adquiriram visão de mundo, referencial para o desenvolvimento do pensamento estratégico, base teórica de argumentação. Tudo por ela financiado. E para ela retornam ou retornarão, se não se aposentarem ou renegarem a alta dignidade da condição de professor.
Uma nova geração de acadêmicos assume novamente o Governo do Estado: Cláudio Puty, José Raimundo Trindade, Maurílio Monteiro, Mário Cardoso, Alberto Damesceno, Fábio Castro e outros.

É o ciclo normal dos acontecimentos.
Misturados com os políticos de carreira, terão a incumbência de contrabalançar a visão e o interesse de curto prazo – sempre prioridade para quem se conduz unicamente pela lógica tática do voto – com propostas estratégicas de longa duração, transformadoras da realidade social – isso se quiserem justificar a sua diferença e a sua identidade de intelectuais e estrategistas do desenvolvimento.
A experiência política e administrativa não se aprende nos livros; adquire-se com o tempo, no exercício pragmático do dia-a-dia. Mas é mais fácil um intelectual aprender a administrar a complexidade do cotidiano, inclusive os meandros políticos das arenas decisórias, que um ativista partidário, sem a devida formação intelectual, apreender as tendências da contemporaneidade e os destinos civilizatórios, com as exigências requeridas da abstração. A diferença é de escala e de padrão cognitivo.
O Pará precisa de intelectuais politizados e de políticos intelectualizados.

Qualquer dicotomia é sinal de atraso, de provincianismo, de subdesenvolvimento. As mentalidades que governam não podem ser domésticas ou raquíticas de idéias e de horizontes; reféns de imediatismo. A soberania sempre se exerceu tendo por base o conhecimento.
Acadêmicos no Governo? Nada há para se estranhar
!

10 comentários:

Anônimo disse...

Certamente o Reitor usa de uma liberdade corporativa apropriada aos trópicos.
Em países desenvolvidos representantes da academia são consultores seniores do governo, tal qual alguns dos citados por ele. Não estão na linha de frente, fazendo aprendizado de gestão que é outra coisa completamente diferente em países com forte tradição acadêmica, marcada por pesquisa, desenvolvimento e inovação.
E esta é a diferença para os anglo-saxões: Academia pesquisa, academia critica, polemiza e aponta caminhos. Quem faz politics e police são outros, conforme Weber previu.
Mas, o que digo, se afinal estamos frente ao imperativo da criatividade, muito própria de quem diz que inexiste pecados abaixo do equador? Sejamos criativos, portanto. Como manda a alcova.

Anônimo disse...

Análise perfeita, texto primoroso.

Octavio Cardoso

Val-André Mutran  disse...

Que responsabilidade da teoria fazer acontecer a prática, né "M"estre?
Recebeu as lembranças?

Val-André Mutran  disse...

Ótima oportunidade da teoria fazer a prática, né não mestre? Lí o artigo do magnífico na praia do Atalaia. Em minha humilde opinião, irretocável...mas, e a vontade (política) tem o cacife pros homens e mulheres trbalharem?
- Diz aí Ana?

P.S.: Apesar dos desencontros (nossos) de agenda, um portador prá lá de especial foi o portador. Gostou?

Val-André Mutran  disse...

Ótima oportunidade da teoria fazer a prática, né não mestre? Lí o artigo do magnífico na praia do Atalaia. Em minha humilde opinião, irretocável...mas, e a vontade (política) tem o cacife pros homens e mulheres trbalharem?
- Diz aí Ana?

P.S.: Apesar dos desencontros (nossos) de agenda, um portador prá lá de especial foi o portador. Gostou?

Anônimo disse...

Faltou no texto do reitor um motivo: os acadêmicos, num país onde a escolaridade é privilégio, devem à sociedade a retribuição pelo que puderam alcançar.
O temor é se a virtude acadêmica, ou a competência, ou a experiência, forem soterradas pela exclusividade da escolha do acadêmico "de carteirinha".
Mas isto também não é pressuposto para o fracasso. É, digamos, uma "prática", basta ver na listagem do reitor os acadêmicos que compuseram o governo anterior.
Se o acadêmico do PSDB ou do PT têm requisitos superiores ao acadêmico P-alguma coisa ou P-coisa nenhuma, poderíamos imaginar que esta deveria ser a escolha. Porém, se ao P-nada falta identidade, sensibilidade e capacidade de transigir, também pode ser desastroso na composição de uma equipe. E é isto que é um governo: uma equipe, cujo alvo é o bem estar da população.
Misturar alhos, bugalhos, folhas e galhos é também um "costume" brasileiro, onde política, governo, partido, administração e gestão se confundem e, às vezes, se complicam.
Mas, apesar da nossa experiência pós-Cabral ter sido sempre esta, e no mais das vezes ficou aquém do êxito, buscar unir conhecimento e afinidade político-partidária é correto e justo. E pode dar certo.
Beijão, Juca.

Unknown disse...

Mestre, mas voce entrou por uma porta e eu saí pela outra, com menos de 12 horas de diferença.Mas não há de ser nada não...rs
Ainda não pude buscar seus presentes com o portador, especialíssimo, com certeza.É que a coisa tá pegando por aqui.Inclusive a esposa do portador, também doutora, tá na área ajudando amamy da companheira.Tá feia a coisa.
neste final de semn nos falamos.
Grande abraço.

Unknown disse...

A "devolução" é uma obrigação,Bia, concordo.
beijão.

Val-André Mutran  disse...

Todos estamos torcendo e rezando pelas melhoras de dona Íris. Uma pessoa muito querida de toda Marabá.

Anônimo disse...

Permita-me discordar do anônimo das 12h20 quanto à afirmação de que "Politics e police são outros...", e aí citando Weber....
Considero que o dilema está colocado, e muito bem, por Weber, mas quanto a afirmar que são outros...
Trata-se de um dos dilemas da "sociedade da especialização do conhecimento": a convicção política x possibilidade objetiva do conhecimento: duas forças motrizes da modernidade, para o bem e para o mal. Daí o seu indissociável percurso: o poder e o conhecimento, com suas variações de magnitude, transformam interesses de elites em problemas de maioria, e questões de maioria em políticas públicas.
A objetividade do conhecimento na busca de soluções aos problemas das maiorias passa pelas "convicções políticas" dos grupos que se alternam no poder.
O dilema é real, falso é a negação da importância do lugar do "conhecimento acadêmico" sobre a "Politics" e como instância de execução das políticas.
Falsa é a afirmação de que o coorporativismo "acadêmico" do Prof. Alex Fiúza de Mello não o deixa ver o papel que as elites intelectuais desempenham nas sociedades, norte-americana e européias, colocando-as na confortável posição de "consultoras" de "Politics".
Será que a "criatividade de alcova" é uma invenção dos trópicos? Recrutamento de elites intelectuais para funções executivas, sem alcova? Onde?