Por Lucio Flavio Pinto, edições das bancas do Jornal Pessoal e do Estado do Tapajós
Quantos jornais brasileiros ainda têm um caderno todo dedicado aos fatos policiais? Talvez ainda haja algum em cidades menores, mas nas metrópoles apenas os jornais de Belém mantêm esse péssimo hábito - ou vício - editorial. Durante algum tempo, só o Diário do Pará cultivou essa excrescência, em formato tablóide. Talvez para compensar o tempo perdido, O Liberal veio em seguida com o dobro de páginas - e em formato standard. Computados os dois jornais, são 18 páginas em tamanho tablóide todos os dias. E há ainda as fornidas páginas policiais do Amazônia Jornal, também dos Maiorana, mas de menor repercussão.
A cobertura policial é importante, essencial mesmo. Mas o espaço compulsório diário acarreta os exageros, o sensacionalismo e a má-fé. De abuso em abuso, chega-se a um jornalismo de engulhos. Tive náusea e asco, no dia 29 do mês passado, ao ver um cadáver ("presunto", na linguagem do setor) com as vísceras expostos em uma foto aberta numa das páginas de O Liberal. Alguém se permitiu o sadismo de puxar a camisa do defunto para que seu ventre ficasse à mostra para o flagrante fotográfico. Foi a imagem mais chocante nessa escalada de insensatez e desrespeito.
O espaço ocupado pela foto chocante podia ter sido usado com texto mais extenso do que o registro desinteressado da matéria. O crime ocorreu em Castelo dos Sonhos, onde a população diz que há uma morte a cada dia e dificilmente alguém é preso (e muito menos punido). Castelo dos Sonhos fica a mil quilômetros da sede do município, Altamira, que ocupa quase 15% da superfície do Pará, Estado que tem quase 15% do tamanho do Brasil. Essa distância influi na selvageria do local?
Claro - e aí estão, evidentes, alguns dos malefícios da distorção territorial do Estado, que precisa ser diagnosticada e corrigida e será tema enfático em 2008. Mas a sede do município vizinho, Novo Progresso, está a apenas 155 quilômetros. Novo Progresso foi desmembrado em 1991 de outro super-município paraense, Itaituba, mas nem por isso faz jus ao nome: a violência é quase igual, o progresso é quimérico.
No ano passado, uma criança de nove anos degolou ali outra de cinco. Como é que uma mente infantil pôde conceber e executar um ato tão violento? Não foi por patologia individual: a violência está na cara de todos, à luz do dia, grassando como malária. E os jornais se incumbem de se tornar hospedeiros desse vírus mortal. Não se pejam de abrir fotos de cadáveres cercados por crianças alegres e saltitantes, cena comum na periferia criminosamente abandonada de Belém. Aquela alegria aparente na imagem estática esconde um dado fúnebre: a inocência dos anos primaveris já acabou. Depois, o fogo, como diz o título bíblico de um romance do negro e homossexual James Baldwin sobre esse tipo de violência nos Estados Unidos. E aqui?
É possível que qualquer jornal se veja obrigado a abrir páginas para o noticiário policial se o fato em cobertura justificar. Mas não a abrir espaço desmesurado sistematicamente, todos os dias. Essa ênfase não pode ser apontada como causa direta do crescimento do índice de criminalidade, mas não há dúvida que contribui para tanto lateralmente. Não é pequena a quantidade de criminosos que se deleita com sua foto publicada, sua imagem exibida na televisão, ou suas façanhas narradas pelas emissoras de rádio (que estão se tornando um caso à parte de polícia).
A exibição escancarada de matérias policiais todos os dias tem uma conseqüência certa: vulgariza e banaliza a violência, anestesiando a consciência e amolecendo a vontade. O efeito é imediato e local. Começa pelo próprio editor dessa miséria humana, que lida com ela destituído daquilo que é fundamental: a sensibilidade humana.
8 comentários:
Bom dia, querido:
preciso e assustador _ redundância? _o texto do Lúcio, e isso remete à uma "coincidência": nos domingos à noite, os canais de TV que exibem filmes, "optam" por violência explícita, variando de Van Dame aos kung-fus da vida. Servem, possivelmente, para amortecer a dor de uma nova semana, onde a violência real dos baixos salários, do péssimo emprego, do transporte deficiente, da falta de comida, saúde e lazer, é previamente perdoada pela adrenalina do domingo à noite.
A violência cevada pela falta de perspectivas para a juventude, e pela desimportância com que a mídia trata o jovem que trabalha ou estuda ou apenas corajosamente sobrevive sem entrar para a marginalidade. Assim, sair na página poliial, algemado, como aviâo do tráfico, ainda que cheio de hematomas ganhos na "pacífica e cidadã" abordagem policial, é sucesso.
Livrai-nos quem, Juca, querido? Desconfio que Santo Ambrósio entrou em gozo de licença premio!
Beijão
É, queridona, bom dia.
A província insiste em não acabar.
Feliz é o Santo Ambrósio...rs
Bjão.
e o correio do tocantins que tem que ler de luvas, e outro mandaram um tanto para o hemopa, que estava sem sangue e o resto para a comissão de transplantes, para aproveitar os cadáveres ainda quentinhos
rs rs rs rs rs rs rs rs rs
Deve haver alguma pesquisa indicando a preferência dos leitores, pelo tema. Só pode ser. No entanto, hoje, sabemos que os leitores de jornais, salvo serviço público, são raros e de bom poder aquisitivo. Não costuma ser de sua preferência, assuntos tão escabrosos, caindo na monotonia pela repetição
Juca, vc não fez o link para o texto so LFP sobre as colunas sociais - reinos dos jabás(chens) e preconceitos rastaqüeras, em especial a Troppo e Rejane
Barr(uó)s. Mas está logo abaixo desse que ele analisa o noticiário policial das folhas paraoaras.
Não, não fiz o link, mas vejo que vc já leu.
Seria errado dizer que cada povo merece o que financia?
Seria reducionismo,Saulo.
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