Por e.mail, Lucio Flavio Pinto comenta a nota do MPF no post MPF: Não Há Excessos, o primeiro de hoje
Dada máxima vênia, como se costuma dizer no circuito, continuo a discordar no MPF, com todo respeito. Ressalvo desde logo que meu ponto de vista não é endosso a "financiadores de campanha e políticos pressionados", que a nota da assessoria de imprensa da Procuradoria da República aponta, nem a barragistas. Com ambos já litigava quando nenhum dos nobres procuradores envolvidos sequer havia se formado no curso de direito - e com os quais continuo a litigar, hoje, nem sempre apenas através de metáforas. Infelizmente, o porta-voz do MPF não tratou da questão metodológica que suscitei sobre o caminho e a autoria do EIA-Rima, suficientemente ambíguo para possibilitar que gato pardo se torne preto e, como costuma acontecer, o meio-de-campo entre um ato e outro se alargue para aproveitamentos escusos, num e noutro sentido das posições assumidas de público. O EIA-Rima, tal como foi recebido, não é satisfatório, mas é suficiente para as audiências públicas. Nelas, o documento poderá ser criticado e até rejeitado. Qual o resultado prático dessa futura audiência? A mesma de todas as outras, para tantos e tão distintos fins? Já participei de algumas e hoje participo bem menos. As audiências não têm poder decisório, são consultivas. Podem até formar opinião, mas mudarão as que os principais protagonistas já carregam consigo, algumas delas na manga? O MPF declara que o EIA-Rima não considerou a questão indígena. Mas considerou, sim. De forma satisfatória? Não. O MPF pode apresentar sucessivas exigências, de tal maneira que o estudo antropológico nunca será satisfatório, por melhor que formal e aparentemente esteja. Isso porque o MPF parte do pressuposto de que os autores são falaciosos, escondem o jogo - como, de fato, escondem. Só que, cumprida uma etapa preliminar, como esse EIA-Rima cumpriu, acho melhor levá-lo ao debate público nas audiências do processo de licenciamento ou, conforme o MPF pode fazer (e ainda não fez), por dispor de tal poder (que me falta e que não pretendo ter), instaurar um inquérito, em seu próprio âmbito, a partir do que surgir nas audiências e fora delas, de forma pública. Pode até pôr em questão o mal que apontei: como é que duas empresas, uma estatal e outra privada, definem a viabilidade ambiental de uma hidrelétrica que sequer foi levada a concorrência pública? Será lícito o argumento de que, se perderem a licitação, elas ganharão uma indenização pelo que já fizeram? É assim tão olímpico, sem nada por baixo dos panos e dentro de gabinetes? Não foi um esquema mais primitivo desse modelo que permitiu à mesma Camargo Corrêa de agora entrar como empreiteira secundária em Tucuruí e se tornar a principal - e de lá não mais sair, inclusive através de muitos aditivos, que abrangeram as eclusas, fazendo do seu dono, Sebastião Camargo, o primeiro bilionário brasileiro exatamente no período das obras, multiplicando o seu peso de US$ 500 milhões para US$ 1 bilhão (cabalísticos 20% do custo total da usina, na defasada avaliação oficial)? Por que tomo essa posição? Porque não temos tal oportunidade em relação às fazendas, assentamentos, garimpos e outros empreendimentos, já implantados às centenas no vale do Xingu, sem um ai de contestação e esclarecimento. Mesmo que consigamos impedir que Belo Monte saia do papel, conseguiremos impedir que esses cupins de florestas, uns menores (sob o nome de fantasia de clientes da reforma agrária), outros muito maiores, se expandam com sua voracidade irracional? Belo Monte é uma grande ameaça concentrada. Os desmatadores individuais são pequenas ameaças multiplicadas, de maior letalidade imediata e, no conjunto, apocalípticos (o Éden secular é conversa atravessada da Bíblia). E tudo que se faz - e que se diz fazer - os conteve? Às vezes fico desalentado ao constatar que esse mundo corrosivo atrai muito menos atenção e empenho do que um paquiderme igualmente irracional, como a hidrelétrica. Às vezes fico indignado. A razão da minha posição neste caso é que, como era simples, antes de 1981, barrar rios e neles fazer tudo o que o barragista queria, por mais absurdo que fosse, parece estar se tornando simples demais ser contra, até por mera boa intenção, combustível certo, muitas vezes, para chegar ao inferno. Quanto mais aprendemos sobre hidrelétricas, mais queremos aprender, até solucionar a principal dúvida: elas devem ser simplesmente expurgadas por completo da Amazônia? Aquelas de alta queda, sim, porque inundam grandes áreas. As que visam transmitir nossa energia para muito longe e deixar-nos em posição colonial, também. Se é para produzir energia, que seja para atender a necessidade amazônica, em parâmetros coerentes com sua condição natural. Pode haver, com essas fortes condicionantes, como admitir hidrelétricas de baixa queda, sítio definido, mercado próximo, tecnologia ambiental? Para mim, são perguntas, para as quais busco respostas com tudo que minha capacidade de aprender possibilita. Não sou daqueles que já chegaram às respostas plenas e absolutas, ou a dogmas. Por isso meu interesse em abrir os horizontes e estimular o processo coletivo de aprendizado concreto, sem preliminares estabelecidas na tábua das leis, tão pétreas na negação quanto a arrogância dos donos do poder. Certezas artificiais podem ser tão nocivas quanto incertezas oportunistas. Prossigamos na dialética, com um único pressuposto, de tutela legal: todos são inocentes, até prova em contrário.
Um abraço.
Lúcio Flávio Pinto
11 comentários:
Visitante relativamente frequente desse espaço, ao receber o premio UTOPIE CALABRESI logo pensei em indica-lo para tb ser merecedor da mesma premiacao, até com mais louvor que meu modesto blog. Assim, passe no http://esteblogminharua.blogspot.com para conferir seu selo. E parabéns pelo excelente blog
Franz
No comentário da primeira reportagem sobre este assunto, fiz menção e questionamento sobre a postura de desconhecimento da ex secretária de saúde.
Se fosse possível, gostaria que o Lúcio comentasse, já que é um conhecedor do direito (e eu, como a quase totalidade dos brasileiros, quase nada sabemos).
Discussões de méritos jurídicos, para nós, leigos, é inalcansável. Precisamos de quem entende deles para nos esclarecer.
Como declarei minha admirição pelo Felício, quero expressar minha admiração também pelo Lúcio Flávio, desde adolescência, quando eu morava na Aristides Lobo e como ele disse, nem sabíamos onde iríamos parar.
Franz, muito bacana seu espaço e muito obrigado pela indicação.
Parabéns pela premiação e pelo seu rio/rua/blog!
Breve conversaremos.
Abs
Marcão, camarada, abração pra vc.
Desde que descobri este espaço, não descolei mais. Um abraço.
Marcão.
Hoje tem mingau de milho lá no prédio do Paulinho de Campos e Patrícia, umbora lá( o mingau é só a desculpa, deve rolar uma VIOLA acompanhada de...)!
Viva São João!!!!!!!
Bora, Marcão!
Abs
Marcão dá para descolar este endereço? Sou doido por mingau!
Como o debate é bom, e a argumentação sempre crítica de Lúcio Flávio Pinto é convidativa, sigamos em frente.
Gostaríamos, no entanto, de nos ater ao rito do licenciamento ambiental, que nos parece ser o único ponto de discordância efetiva.
Quando Lúcio diz: “o MPF pode apresentar sucessivas exigências, de tal maneira que o estudo antropológico nunca será satisfatório, por melhor que formal e aparentemente esteja”, ele tem toda razão.
Mas o problema nesse caso não é de satisfação com a qualidade dos Estudos, ou de exigência excessiva, porque nenhuma linha foi apresentada a respeito de temas especificamente elencados pelo Termo de Referência imposto às empreiteiras Camargo Corrêa, Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez.
Como poderíamos ignorar tal situação? O Ibama aceitou, das maiores empreiteiras do país, sobre a maior hidrelétrica projetada no território nacional, em desacordo com suas próprias normas, Estudos em que não consta nenhuma menção ao impacto sobre os índios citadinos, sobre os ribeirinhos da Volta Grande do Xingu ou sobre a qualidade da água do Xingu. Só para citar três impactos evidentes que há obrigação de mensurar. E que precisam ser mensurados antes, nos parece óbvio, das audiências públicas.
Se as audiências públicas em licenciamentos similares na Amazônia têm sido insatisfatórias, não mais do que jogo de cena, não existe outro caminho para o MPF além de lutar para que as de Belo Monte não repitam essa história.
Cada ilegalidade observada foi e continuará sendo combatida, não só porque essa é a obrigação do MPF, mas também porque consideramos o licenciamento como o principal instrumento efetivo de controle da sociedade sobre empreendimentos de grande impacto - ainda que, por obra justamente de ilegalidades e fraudes, raramente se tenha efetivado esse controle.
Foi cumprindo a obrigação de vigilância que, em 2001, o MPF pediu e a Justiça impediu que a Usina fosse licenciada pela (então) Sectam, como queria a Eletronorte. A batalha jurídica foi prolongada, mas estabeleceu a premissa em definitivo, e o licenciamento passou a ser feito pelo Ibama.
A mesma vigilância, nova ação judicial, e já em 2008, impedimos que as três maiores empreiteiras do país incluíssem uma cláusula de confidencialidade (!) sobre os Estudos de Impacto Ambiental de Belo Monte. E esperamos, agora, impedir a aceitação desses mesmos Estudos, enquanto estiverem incompletos em questões fundamentais.
Atenciosamente,
Assessoria de Comunicação
Procuradoria da República no Pará
O MPF tem que se queixar para o Minc.
Ele disse que vai liberar Belo Monte. Ponto.
Energia Nuclear. Ponto.
Bom dia, dr.
Não esqueça de me avisar sobre a passagem do Tadeu lá na Terra do Meio.
Abs
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