19.1.09

Decisão Soberana

Uma decisão recente do ministro da Justiça do Brasil, concedendo o estatuto de refugiado ao cidadão italiano Cesare Battisti, merece especial atenção por sua importância dos pontos de vista ético, jurídico e político.
É oportuno lembrar que toda a história brasileira, desde 1500, é uma constante de concessão de abrigo e proteção a pessoas perseguidas por intolerância política, discriminação racial ou social e outros motivos injustos, como o uso arbitrário da força.
Assim, na segunda metade do século 20, pessoas perseguidas por se oporem aos regimes comunistas estabelecidos na Europa oriental, assim como outras que sofriam perseguição em países vizinhos do Brasil, por se oporem a governos fortes de extrema direita, procuraram e obtiveram no Brasil a condição de refugiados.
Deixando de lado as conveniências políticas e dando a devida prioridade aos valores do humanismo, o Brasil decidiu soberanamente, com independência, e concedeu aos perseguidos a proteção de sua ordem jurídica. No caso de Cesare Battisti estão presentes os requisitos fundamentais para a concessão do estatuto de refugiado, como fica evidente pela análise dos antecedentes do caso e pelo exame sereno dos dados do processo, minuciosamente expostos pelo ministro da Justiça.
Há pouco mais de 30 anos, Battisti foi militante de um grupo político armado, de orientação esquerdista. O governo italiano da época, de extrema direita, estabeleceu o sistema de delação premiada, pelo qual os militantes que desistissem da luta armada e delatassem seus companheiros ficariam livres de punição. Com base numa delação premiada, Battisti foi acusado da prática de quatro homicídios, sendo condenado à prisão perpétua.
Além de só haver como prova as palavras do delator, dois desses crimes foram cometidos no mesmo dia, em horários muito próximos e em lugares muito distantes um do outro, de tal modo que seria impossível que Battisti tivesse participado efetivamente de ambos os crimes.Dispõe expressamente a lei nº 9.474, de 1997, que trata do Estatuto dos Refugiados no Brasil, que será reconhecido como refugiado o indivíduo que, devido a fundados temores de perseguição por motivo de opinião política, encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não queira acolher-se à proteção de tal país.
Além daquela contradição no julgamento de Battisti, outro dado revelador é a enxurrada de ofensas e agressões de ministros do governo italiano ao governo e ao povo do Brasil pela decisão do ministro Tarso Genro.
Reagindo com extrema violência, o ministro do Exterior convocou o embaixador brasileiro na Itália para exigir a mudança da decisão, ao mesmo tempo em que outros ministros fizeram ameaças de represália, inclusive de boicote da participação do Brasil em reuniões internacionais.
Entretanto, muito recentemente o governo da França negou atendimento a pedido italiano de extradição de Marina Petrella, que, como Battisti e na mesma época, foi militante de um movimento político armado, as Brigadas Vermelhas. O governo italiano acatou civilizadamente a decisão francesa, reconhecendo tratar-se de um ato de soberania. Qual o motivo da diferença de reações? O governo e o povo do Brasil não merecem o mesmo respeito que os franceses?
Essa diferença de comportamento dos ministros italianos deixa mais do que evidente que é plenamente justificado o temor de Battisti de sofrer perseguição por motivo político. A reação raivosa dos ministros italianos não dignifica a Itália e elimina qualquer dúvida.Por tudo quanto foi exposto, a decisão de Tarso Genro merece todo o acatamento. Expressa em linguagem clara e objetiva, deixando evidente sua inspiração humanista, livre de preconceitos ou parcialidade de qualquer espécie, a decisão tem sólido fundamento em dados concretos e faz aplicação correta e precisa dos preceitos jurídicos que regem a matéria.
A concessão do estatuto de refugiado a Cesare Battisti é um ato de soberania do Estado brasileiro e não ofende nenhum direito do Estado italiano nem implica desrespeito ao governo daquele país, não tendo cabimento pretender que as autoridades brasileiras decidam coagidas pelas ofensas e ameaças de autoridades italianas ou façam concessões que configurem uma indigna subserviência do Estado brasileiro.

Dalmo de Abreu Dallari , 76, é professor emérito da Faculdade de Direito da USP.
Publicado orginalmente no Jornal do Brasil.

10 comentários:

Francisco Rocha Junior disse...

Juca,
tenho empreendido um debate sobre o tema com o Itajaí, lá no Flanar. Ainda não consegui ler um único argumento a favor da concessão do asilo que me tenha convencido. Sempre falta algo; em meu entendimento, a tática da defesa de Battisti é a da omissão de aspectos e fatos importantes sobre o assunto.
No caso do professor Dallari - de cujos argumentos, por sua força moral e pela inteligência com que são sempre suscitados, é sempre muito difícil discordar, mas que nesta hipótese parece querer justificar ideologicamente a decisão, o que não me parece razoável - vejo que, mais uma vez, campeia a omissão. Vejamos:
1. os defensores de Battisti repetem à exaustão o argumento de que dois dos crimes foram cometidos simultaneamente, um em Udine e outro em Milão, e que ele não tem, obviamente, o dom da ubiqüidade. Até onde sei, em um ele foi condenado por ação direta e noutro como mandante;
2. são 04 (quatro) os crimes pelos quais Battisti foi condenado. Os defensores do asilo só se reportam a estes dois crimes. Os demais, parece que não são válidos;
3. também não ficou claro que o testemunho único do delator tenha sido usado em todos os processos. Até onde consegui saber, a prova testemunhal só foi usada em um ou dois dos quatro processos por homicídio em que Battisti foi réu;
4. sob o manto do crime político, pretende-se na verdade acobertar a prática de crimes comuns, que Battisti cometeu na época em que era militante dos Proletários Armados pelo Comunismo. Sua simples vinculação a um grupo revolucionário que pregava a luta arma não desqualifica os atos que cometeu, de crimes ordinários para crimes políticos. Afinal, os militantes do MST que invadiram e depredaram a Câmara dos Deputados, há 2 anos, poderiam ser enquadrados como praticantes de crimes políticos ou de opinião? E olha que eles não mataram ninguém;
5. na tentativa de diferenciar os PAC das Brigadas Vermelhas, o site Mídia Independente diz que os primeiros não pretendiam a tomada do poder, e sim "conseguir o controle do território mudando o balanço de poder em favor das classes subalternas e em particular de seus componentes jovens" (os grifos são meus). Se isto não é a tentativa de reversão (ilegítima, por sinal, porque completamente descontextualizada historicamente e sem respaldo popular) e tomada do poder, é o que, então?
6. no governo supostamente "forte de extrema direita" aludido pelo professor Dallari, sob cuja vigência Battisti cometeu seus crimes alegadamente políticos, o Partido Comunista Italiano tinha assento em conjunto com o Partido Democrata Cristão de Giulio Andreotti e era o 2o maior partido da Itália;
7. finalmente, como eu já disse lá no Flanar, os esperneios das autoridades italianas não chegaram, até o momento, ao ponto de pressão a que alude parte da mídia brasileira. Pelo contrário: a maior pressão é de outros órgãos da própria mídia nacional, e não do governo do país da bota. O problema é a antipatia natural (eu também a sinto) da esquerda brasileira pelo governo de Silvio Berlusconi, a quem atribuem a intenção (não declaradas ou comprovadas) de matar Battisti, caso ele retorne à Itália. Mas isto é mera suposição, que não pode sustentar a decisão do ministro Genro. Afinal, como governo legitimamente eleito - e não creio que alguém possa por em dúvida a legitimidade e a legalidade da representação de Berlusconi, para o bem ou para o mal - a responsabilidade pela integridade do condenado será sua, se for entregue à Justizia.
Desculpa-me o comentário algo longo. Há muito o que ser dito, neste caso.
Abração.

Anônimo disse...

Com todo o respeito ao conceituado jurista Dalmo Dallari, seus argumentos, como sua lógica só demonstra e ratifica a decisão com cunho ideológico e parcialidade como linha mestra.
Dallari é conhecido por sua tendência esquerdista e fascínio pelo PT e em especial pela defesa de Lula como símbolo do proletariado no poder. Embora não seja formalmente filiado ao partido, Dallari participou de suas principais decisões desde a fundação, em 1980. No episódio dos radicais do PT em 2003 (acusados de "indisciplina partidária", a senadora Heloísa Helena (AL) e os deputados João Batista de Araújo (PA), o Babá, e Luciana Genro (RS)), ele foi um dos principais defensores dos mesmos.
Inclusive, ele mesmo foi seqüestrado durante os anos de chumbo, foi um caso estranho que continua sem explicações até hoje. O jurista foi mantido em cárcere privado por algumas horas, sendo abandonado próximo de sua casa depois de ter sido torturado.
Então, não seria diferente seu discurso em defesa da decisão do ministro Tarso Genro, o que alias, é sim, discutível e estranha.

Anônimo disse...

Beber como ser reacionário faz mal a saúde, anônimo.

Anônimo disse...

Certa ou errada, a decisão foi do Govêrno Brasileiro, e deve ser discutida aqui dentro,entre nós, sem se aceitar interferencia externa.
Para a Italia resta apelar dentro dos canais competentes do governo e da diplomacia.
Com relação á importancia relativa dos dois paises, tenho certeza que dentro de algum tempo teremos europeus buscando trabalho aqui, como ja o fizeram no inicio do seculo XX, invertendo a situação atual.
O Brasil cresce, vai crescer mais, e êsse crescimento se deve ao trabalho duro e anônimo de seus cidadãos, parasitados por uma classe politica abjeta.Não é obra de nenhum presidente ou govêrno, é fruto do povo brasileiro.
Tenho fé q ainda vou assistir espanhois, italianos, portugueses, nos nossos aeroportos, em fila...
abs, Juca

Anônimo disse...

Para o caso de inversão do fluxo migratório de trabalhadores é muito importante que o Brasil tenha bons governos. Imagina como estaria o Brasil nessa crise, se tivessemos um tucano no Planalto. Estaríamos sem o Banco do Brasil, sem a CEF, sem a Petrobrás. É, caboco, estaríamos na roça.
È, meu amigo, um país se faz com um povo sim, mas são os governos que dão a ele régua e compasso. Essa história de anarquismo já era, não passa de ficção política.

Anônimo disse...

F. Rocha Junior, perfeita a sua apreciação.
É aquela história de forçar a barra para tentar distinguir "mortos" pela esquerda como sendo justificaveis por uma causa justa.
Tão estupidos quanto as atrocidades de direita.
Os mortos? esses são facilmente esquecidos.
Queria ver se,alguma das vítimas desse criminoso comum, fosse parente do prof. Dalari, se ele daria essa mesma "licença poética" para os crimes.

Anônimo disse...

O que faz mal a saúde, anônimo das 11:57, e utilizar a máquina pública com objetivos particulares, partidários e, principalmente, demagógicos. E é o que vemos diariamente com aparelhamento político, o assistencialismo eleitoreiro e por aí vai.

Inclusive dá azia, pior do que qualquer leitura de jornais, livros e revistas. Conforme disse o mestre dos mestres do que não se deve fazer e, mais grave, falar baboseiras diariamente. Para os baba-ovos ficarem rindo, como se ignorância e despreparo fosse engraçado.

Anônimo disse...

Incrível como os partidários da extradição de Battisti, a exemplo do abominável presidente do STF, por cuja cartilha devem se pautar, asseguram a autoria dos crimes ao acusado, como se fossem testemunhas oculares dos fatos. A sanha por entregar o "criminoso" a Berlusconi é tanta, que esquecem o fato da Itália ter negado a extradição de Cacciolla, bandido muito mais perigoso, mas, para os colonizados de plantão, a Itália é soberana, o Brasil tem que ser submisso.

Anônimo disse...

Ô das 12:03, leia abaixo só pra, digamos, se "sintonizar" melhor:

A Itália não extraditou Cacciola pois ele nasceu lá. É cidadão italiano. Já Cesare Battisti não é cidadão brasileiro. São casos completamente distintos e vc, com todo o respeito, confunde alhos com bugalhos.

A próxima.

Anônimo disse...

Mas é dessa forma que eles tentam justificar, anônimo das 3:33. É de um amadorismo comum quando não têm argumentos. Misturam as coisas para enganar os mais incautos.