Por Breno Rodrigo de Messias Leite*
Qualquer pessoa civilizada e razoavelmente racional sabe que mesmo em uma guerra alguns valores, como os direitos humanos e os tratados internacionais, devem ser respeitados. Estas mesmas pessoas, que presumo existirem no mundo real, também sabem os direitos humanos e os tratados são as primeiras vítimas a tombar.
O século XX (e o presente século segue o mesmo caminho) foi um grande laboratório de guerras. As sociedades entraram em conflitos armados para combater tiranias como foi o caso da luta contra o nazi-fascismo; para defenderem seus interesses nacionais como as lutas pela soberania popular e autodeterminação; e destruir valores de outros povos – as batalhas colonialistas e a guerra dos EUA no Afeganistão e no Iraque. Em geral, uma guerra é anunciação de violência desumana que tem acompanhado até hoje a evolução do homem, como bem retrata as cenas iniciais do filme 2001, um Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick.
O final da Segunda Guerra Mundial arquitetou o cenário do que se tem chamado de “guerra infinita” no Oriente Médio. O conflito do mundo Árabe versus Israel, islamismo versus judaísmo (no modelo de “choque de civilizações” do recém-falecido Samuel Huntington) tem se colocado como um grande problema para a (des)ordem internacional, principalmente, na violação dos tratados internacionais e nos constantes desrespeitos aos direitos humanos.
Desde o ato de fundação do Estado do Israel (1948), que foi conquistado e legitimado por meio do lobby sionista e pelo impacto do holocausto sobre o povo judeu, os conflitos na região só têm de agravado em função da orientação expansionista das defensivas/ofensivas militares israelenses nos territórios árabes. E toda a expansão territorial tem sido acompanhada por mega-projetos de colonização judaica – outra violação explicita do direito internacional ou, pelo menos, do que restou.
Diante disso, vem um questionamento elementar: o que leva um país como Israel ser democrático na sua política interior e tão antidemocrático na sua política exterior?
Talvez a resposta da moderna teoria das relações internacionais seja uma importante ferramenta para tentarmos esclarecer este possível paradoxo. A teoria realista das relações internacionais diz que o sistema internacional é anárquico – como o estado de natureza da metáfora hobbesiana – e que os Estados comportam-se como indivíduos egoístas e cruéis em um mundo onde o “homem é o lobo do homem”.
A ausência de uma ordem internacional regulada por leis claras e universais – isto é, um ordenamento constitucional mínimo –, e uma autoridade política capaz de funcionar como um governo civil eficiente, faz com que estas arbitrariedade que assistimos pela TV, lemos nos jornais e acompanhamos pela internet continuem a se perpetuar. Nesse sistema, ninguém tem autoridade de dizer ao indivíduo-Estado de Israel: “cala e consenti. Se atacar o teu vizinho, sofrerá imediatamente a sanção da lei”. A única forma de domar este indivíduo-Estado é reação enérgica de um outro indivíduo-Estado com potencial bélico mais avançado, que nesse caso derrotaria Israel e faria leviatanicamente o armistício entre as partes.
Mas a atual ordem internacional não possui, como diria Max Weber, este monopólio legítimo da violência, a não ser quando lhe convém (basta lembrar a ação dos Blue Caps da ONU nos inúmeros episódios de genocídios na África ou da coalizão de países pró-EUA na Guerra do Kosovo). Todavia, em se tratando de uma potência militar do porte de Israel (a maior de todo o Oriente Médio), o máximo que uma organização internacional como a ONU pode fazer é suplicar uma trégua imediata e buscar construir vias diplomáticas para o consentimento.
A saída de Thomas Hobbes para por fim as guerras que refletem, ainda, o estado de natureza seria a criação de uma ordem internacional unipolar – um tipo de Leviatã mundial. Este governo mundial ofertaria a paz e pediria como contrapartida a liberdade dos indivíduos-Estados.
Certamente, isto pode parecer um absurdo para se compreender a mecânica dos Estados modernos, mas isto acontece cotidianamente no nosso mundo ordinário. Nós, cidadãos, de certa maneira, renunciamos a liberdade infinita (a liberdade que eu teria, por exemplo, de liquidar fisicamente todos os meus inimigos sem aturar nenhum tipo de represália legal) para aceitarmos um pacto de submissão e obediência em uma democracia constitucional. Nós trocamos a possibilidade de um reino da liberdade pelo potencial reino da paz.
Nesta terapia coletiva, Hobbes explica!
* Mestrando em Ciência Política (UFPA).
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