Jatene, o Epistolar

Depois de mais de um ano, o ex governador Simão Jatene deu a cara à tapa em sua "Carta aberta à população", na edição de ontem de O Liberal. Para chegar até ele, na página 4, o leitor teve que atravessar um Seventy particularmente ácido ao governo Ana Julia, e à pessoa da governadora.
Dispensada a bizantina discussão sobre a real situação financeira do estado que deixou - embora a governadora tenha dado uma mãozinha à Jatene quando renovou os incentivos fiscais - o que ressalta é a disposição demonstrada pelo ex governador em comparar seu governo com o atual, que classifica de claramente insatisfatório e cheio de trapalhadas.
A entrada em cena de Jatene tem sua razão de ser. Daqui há um mes Ana Julia completa o primeiro terço de seu mandato, onde plantou mais do que colheu. Matreiro, e de olho em pesquisas de avaliação do governo, Jatene esperou o tempo que lhe pareceu necessário para jogar seus búzios: aposta no insucesso da gestão da Ana Julia, e comenta, em privado, que a falta de foco será a causa.
Daí a remissão à Agenda Mínima de seu governo, mínimamente alcançada, na marra e nos estertores do mandato. Por causa disso, transferiu-a, em parte, à sucessora.
Enquanto a safra de Ana Julia não chega - e a crítica de Jatene, neste particular, é correta - o governo atual dedica-se a tentativa de assumir a paternidade de algumas obras inacabadas pelo governo anterior. Tal estratégia, já comentada em diversas ocasiões aqui no Quinta, não parece ter surtido efeito em lugares como o Hospital Regional do Oeste, cuja trajetória, quiçá desde sua construção, é um escárnio e um escândalo.
No caso do Hangar, o centro de convenções que emblematizou a farra tucana nos discursos da campanha petista, a tentativa de apropriação veio acompanhada da deselegância de sequer convidar, para a inauguração, os responsáveis pela construção de 95%. Mas lá, a tática parece estar dando certo.
E nesse caso, Jatene chora porque sabe que a estratégia vai dar resultados.
O pranto desaba, de vez, quando o economista tenta desmontar a tese da herança maldita. Neste caso, o primeiro terço não seria, efetivamente, capaz de reverter processos por ele, Jatene, iniciados ou deixados de enfrentar nos doze anos de governos tucanos.
Nem nos dois terços restantes, nem no próximo governo, sabemos todos.
Mas é forçoso reconhecer que, a medida em que o tempo passa, a tese da herança maldita tende a enfraquecer na opinião pública, o que responde por sua utilização intensiva pela governadora, e a ação de Jatene em abreviá-la.
Curiosamente, todavia, de novo aí Ana Julia deu outra mãozinha ao governador, dado o volume absurdo de promessas que fez na campanha eleitoral, das quais cumprirá uma pequena parte, abrindo um flanco para campanhas de desmoralização como as recentes inserções do PSDB sobre segurança pública, que mesmo retiradas do ar pelo TRE, após o estrago, não foram consideradas, pela Justiça, como ofensivas à governadora. E nem poderiam.
O texto de Jatene, a não ser na forma, muito superior, pouco difere da entrevista de Mr Johnson ao Diário, há pouco mais de um mes. Até na rubrica viagens ao exterior, em que a vigília tucana contabiliza mais de 100 passageiros no primeiro ano do governo vermelho, as diferenças não são expressivas, embora Jatene não quantifique a milhagem tucana em sua gestão, inclusive de familiares.
Pirotecnia, marketing, marcação de posições, balões de ensaio, chame como quiser. Discursos similares, práticas idem.
A política do vintage continua.