Por Alberto Teixeira da Silva.
Múltiplos campos teóricos e discursivos focam vulnerabilidades e possibilidades de inserção da Amazônia na alta modernidade. No rastro da modernização capitalista, notadamente a partir da emergência de temas como meio ambiente, direitos humanos, narcotráfico, novas tecnologias, erosão das soberanias nacionais e temas vinculados a defesa territorial, a questão da Amazônia ganha relevância na mídia, nos círculos acadêmicos e nas políticas multilaterais.
A Amazônia deixou de ser apenas um desafio para o desenvolvimento sustentável regional e nacional, sendo agora uma questão vital para o desenvolvimento sustentável continental e mundial. Estão em curso processos multidimensionais de globalização da Amazônia. O tema da ‘internacionalização’ deve ser focado a partir deste prisma. A controvérsia associa a fragilidade do governo brasileiro na proteção da maior floresta do planeta diante da ameaça intervencionista dos países desenvolvidos em nome de salvaguardar o maior “patrimônio ecológico da humanidade”. Visões de riquezas do além-mar têm seduzido colonizadores europeus mais remotos, inicialmente Portugal e Espanha, depois outros países que sob a saga da dominação colonial, ergueram empreendimentos e fincaram seus interesses sobre esta vasta porção úmida e tropical. Interesses distintos acompanham de forma dramática a história regional até os dias de hoje, envolvendo matizes ideológicos, ranços nacionalistas, delírios transnacionais, num intrincado jogo político engravidado de significações e simbologias.
Segundo Ignacy Sachs, “a perspectiva de internacionalização por motivos ecológicos é mais do que remota, em que pesem alguns raros e episódicos excessos verbais sobre o tema de um ou outro político europeu”. A base de interesses é bastante diversa: recursos minerais, banco fantástico de espécies derivados de singular megabiodiversidade, e hoje, sobretudo, o papel das florestas na estabilização climática do planeta. Apesar do notório reconhecimento de que a Amazônia desperta interesse, o argumento da “internacionalização” que configura perda de soberania sobre a região, do ponto de vista da geopolítica dos militares é absolutamente insuficiente para dar conta dos movimentos globais que transitam na fronteira do capitalismo periférico. Essa polêmica ressurge com maior vigor na década de 1980, sendo reintroduzida a “teoria da conspiração” no discurso de defesa da região pelas forças armadas.
Alguns analistas mais eufóricos com viés nacionalista extremo advogam a tese de que estaria havendo um cerco sobre a região amazônica por parte das grandes potências mundiais, sendo esta (teoria do cerco) complementar a “teoria da conspiração”. Os seguidores desta teoria passaram a ver nos ambientalistas uma quinta-coluna que deveria ser politicamente trucidada. É lógico que a Amazônia atrai o interesse de outras nações, por razões já aqui apresentadas; o que não quer dizer que uma eminente ocupação se concretize. Também nunca pode ser totalmente descartada a hipótese de uma intervenção militar na Amazônia, tendo em vista um cenário onde esteja em jogo interesses vital para os países mais desenvolvidos, sobretudo para os Estados Unidos, que tem adotado política externa agressiva e imperialista nas últimas décadas.No entanto, desde a segunda metade da década de 1970, o governo brasileiro vem efetivando uma política de segurança para a Amazônia, acionando, num primeiro plano, tentativas políticas de cooperação entre os demais países que formam a Amazônia Continental (Bolívia, Colômbia, Peru, Equador, Suriname, Guiana e Venezuela). Firmado em 1978, o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), traduzindo a idéia de um Pacto Amazônico, postulou a necessidade de se fundar as bases de um desenvolvimento regional integrado, crescimento econômico e preservação ambiental, que possibilitaria a integração física e administração de problemas comuns.
O problema da segurança e soberania da Amazônia, sob a égide do aparato geopolítico, está ancorado no Projeto Calha Norte e o Sistema de vigilância e proteção da Amazônia (SIVAM/SIPAM). O Projeto Calha Norte surgiu em 1985, como reação unilateral ao imobilismo deliberado dos demais países signatários que assinaram o TCA. Foi elaborado como plano de ação governamental com a finalidade de intensificar a presença do Estado ao norte dos rios Solimões e Amazonas, abrangendo uma área praticamente inexplorada, que corresponde a 14% do território nacional, com mais de 6,7 mil quilômetros de fronteiras terrestres, que se estendem desde Tabatinga à foz do Oiapoque. Apesar de limitado e controverso, constitui uma ação de defesa do território amazônico.
O SIVAM dentro de uma ação mais abrangente de proteção da Amazônia (SIPAM) constitui uma resposta ao monitoramento do espaço aéreo regional e de apoio logístico de planejamento dos governos locais. No entanto, a lógica que preside a política de proteção da região está baseada na geopolítica dos militares, a partir da idéia de segurança nacional. Além disso, a concepção do SIVAM/SIPAM foi pensada sem levar em consideração a comunidade científica e os atores políticos representativos das populações regionais e tradicionais, se constituindo numa parafernália cara (1,4 bilhão de dólares) e centralizadora. Ao invés de um sistema poderia ser criado um centro de inteligência e o fortalecimento institucional de políticas públicas para a Amazônia.Não resta dúvida que os acordos de cooperação representam pressão política dos países doadores, na medida em que a questão financeira influencia interesses e prioridades, geralmente favoráveis as políticas domésticas desses países. Todavia, existem pontos em comum que devem ser considerados, visto que a promoção do desenvolvimento amazônico se relaciona diretamente com a sustentabilidade do desenvolvimento nacional e global, ou seja, a cooperação internacional e a coordenação de políticas nacionais tornaram-se requisitos indispensáveis para lidar com as conseqüências de um mundo que se globaliza rapidamente.
Cresce a interdependência de problemas e soluções, que certamente está afetando instituições e relações de poder, tencionando e reconfigurando a geopolítica mundial, numa correlação de forças que vai progressivamente modelando diferentes formas de governança nos diferentes níveis da vida social.
Um antídoto à ameaça externa seria uma posição corajosa e determinada do governo brasileiro no sentido de planejar um padrão de ocupação seguindo as orientações do zoneamento ecológico-econômico, de tal modo que a região fosse tratada como prioridade na efetivação de políticas sustentáveis, no aproveitamento racional de seus recursos naturais, respeitando o saber local e as identidades culturais das populações que nela habitam e forjado um novo modelo de desenvolvimento, baseado na conservação da floresta e nos serviços ambientais provenientes da sociobiodiversidade existente. Todavia, não são poucos os que se reportam as estratégias de ‘dissuasão estratégica’, que seria uma forma de evitar um conflito mais violento, invocando uma ameaça cujo preço o adversário saiba, a priori, que terá que pagar. No que tange a Amazônia, essa estratégia dá munição ao projeto de militarização da Amazônia, para além do papel tradicional desempenhado pelas forças armadas na região.
O reconhecimento dos sucessivos fracassos das políticas de desenvolvimento para a Amazônia deveria conduzir a uma nova política do Estado Nacional, atacando problemas crônicos, o que levaria a investimentos maciços em infra-estrutura social. Para além das teorias e posturas geopolíticas conspiratórias - de direita e de esquerda - que sob o manto ideológico da defesa territorial, tem obscurecido as correlações de forças mundiais, dando lugar a síndrome da vulnerabilidade e fraqueza psicológica; o cenário mais próximo do atual estágio de diplomacia política hegemônica aponta para uma impossibilidade de invasão militar na Amazônia para o atendimento de interesses exógenos ou do imperialismo norte-americano, ainda que conflitos plantados em países fronteiriços (Colômbia, Peru, Bolívia) possam representar uma ameaça potencial.
A internacionalização política e territorial da Amazônia deve ser reformulada e inserida no contexto da globalização multidimensional, diante do processo histórico de interdependência crescente entre países, blocos regionais e, sobretudo, na agenda das políticas públicas globais. As mais variadas formas de conflitos, tensões e impasses, refletem novas configurações no plano da geopolítica mundial, interesses estratégicos de países hegemônicos, diante de um processo de globalização excludente e concentrador de riquezas. Os militares defendem o ideal da soberania do Estado e o controle das fronteiras, como argumento de defesa estratégica e de segurança nacional. O mainstream doutrinário militar enxerga a movimentação das Ongs como perigosas intervenções financiadas por interesses exógenos, associados aos países desenvolvidos. Paradoxalmente, foi durante o ciclo da ditadura que as políticas de internacionalização da economia brasileira, em particular da Amazônia, frutificaram sob o emblema da integração e ocupação produtiva dos espaços vazios.
As Ongs têm uma visão mais afinada com estratégias globalistas de cooperação e integração de ações na esfera pública, limitando a soberania do poder estatal. Contudo, mecanismos de controle social e transparência, são absolutamente indispensáveis para a atuação e acompanhamento dos atores e programas desenvolvidos. Uma internacionalização silenciosa (biopirataria e domesticação de produtos regionais) vai lenta e progressivamente sugando o que de mais precioso e estratégico as florestas e a diversidade ecossistêmica amazônica pode oferecer: saber milenar e base de substâncias ativas para a indústria de ponta do capitalismo avançado.
A soberania da Amazônia não é uma questão militar. Somente uma cultura de defesa e segurança regional fundada sob o primado do conhecimento tradicional, ciência, tecnologia, inovação e educação, pode promover um desenvolvinento sustentável endógeno e valoração de riquezas para as populações amazônidas atuais e futuras.
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Alberto Teixeira da Silva é doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Pará
4 comentários:
É com grande tristeza que observo as politicas federais para amazonia, formuladas por autoridades que não conhecem a realidade da região e pior não levam em conta a situação triste de miséria que vive a grande maioria da população, essas políticas nunca levam em conta desenvolver uma alternativa sustentavel para a população que cada vez mais miseravel só encontra no saqueamento da floresta uma alternativa de continuar sobrevivendo numa região esquecida pelo Governo Federal, mas muito lembrada pelos ambientalistas, e ongs que esquecem que a população que vive lá faz parte dela.
Enquanto isso, em Brasília, aquele sujeito que tem o nome de árvore...
Caramba...levei para o morenocris.
Bom demais!
Beijos.
Isso mesmo,professora.
Mas onde a senhora andava?
Já estava quase para fazer um BO.
Bjs
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