Do procurador da República Marcelo Miller, do MPF no Rio de Janeiro
A interpretação e a aplicação do Direito experimenta profundas transformações em todo o mundo ocidental desde as últimas décadas do século XX. A técnica jurídica abandonou o apego excessivo à forma e à letra e avançou no esforço de equilibrar previsibilidade e justiça. Os princípios, antes considerados instrumentos de manejo exclusivo da teoria moral e do discurso político, foram incorporados à gramática jurídica e passaram a repercutir nas decisões judiciais. As Constituições assumem, enfim, a função normativa protagônica que o Estado de Direito há muito lhes prometia.
O Poder Judiciário participa desse processo e se transforma em consonância com seus desdobramentos. A função judicante passa a incluir a revisão, à luz de parâmetros mais abertos e menos literais, de opções legislativas e de critérios de implementação de políticas públicas. O juiz é chamado, na aplicação do direito, a um diálogo mais direto com o Legislativo e o Executivo.
Parte dessa transformação do Poder Judiciário redundou na formação de uma nova referência cultural no mundo jurídico, conhecida como ativismo judiciário. Mais proposto aos juízes que por eles gestado, o ativismo judiciário é o contraponto à idéia de que os juízes devam deferência aos critérios e às opções dos outros Poderes: se a lei é inconstitucional ou o ato administrativo é ilegal, que sejam assim declarados, sem esforço interpretativo em contrário. Essa nova referência resulta das transformações do próprio Direito; exige dos mais tradicionais que ajustem sua compreensão das estruturas do Estado; mas, mantida em limites razoáveis, é natural e não preocupa.
Nós, brasileiros, não somos imitadores; somos criativos e gostamos de sê-lo. Temos experimentado intensamente as transformações do Direito e do Poder Judiciário, dando-lhes, inclusive, cor local, ora para o bem, ora para o mal. O deslocamento para o âmbito dos processos judiciais de discussões que só faziam sentido no plano da política partidária, fenômeno conhecido como judicialização da política, é filho dessas transformações; ganhou, por aqui, acentuada cor local, em razão da amplitude de nosso texto constitucional e da acessibilidade nossos mecanismos de controle de constitucionalidade.
Mas os limites de nossa criatividade estão à prova na pessoa do Ministro Gilmar Mendes, que tem delineado, na presidência do Supremo Tribunal Federal, os vetores de sua plataforma pessoal para a Nação. Em recente entrevista coletiva, o Ministro defendeu a manutenção das prerrogativas de foro, propôs a adoção de nova lei sobre o abuso de autoridade, elogiou o mérito da lei seca para os motoristas e sugeriu prioridade para o tema da segurança pública, com coordenação federativa e políticas sociais. Além disso, praticamente antecipou voto sobre a divulgação de listas de candidatos a mandatos eletivos que ostentem antecedentes criminais, rotulando como populista a interpretação diversa. Já na presidência do STF, o Ministro também lançou diatribes contra o manejo presidencial das medidas provisórias, a atuação do Ministério Público e as regras sobre o orçamento público. Mais uma partida apagada da seleção brasileira de futebol, e o veredicto do presidente do STF será inevitável.
Em mais um tento de nossa era das novidades, podemos dizer que nunca antes na história deste país a presidência do STF foi tão vocal. Mas há perigo na esquina: é intuitiva a fragilidade moral da posição de quem se arvora ao arbitramento de um debate de que participou.
É louvável que o presidente do Supremo Tribunal Federal mantenha comunicação social fluida e moderna. Mas a habitual economia verbal dos magistrados não é um simples cacoete profissional nem está ultrapassada; é, antes, importante instrumento de legitimação do Poder Judiciário, pois evita a confusão entre opinião e julgamento. E a noção de que os julgamentos resultam de processos intelectuais mais rígidos e metódicos que as opiniões tende a ruir quando um magistrado de alta visibilidade emite, reiteradamente, opiniões que revelam, mais adiante, convergência com seus julgamentos.
Ao Ministro Gilmar Mendes, portanto, a escolha: ou a magistratura, com a devida circunspecção, ou a política partidária, com as inevitáveis luzes e sombras. Para qualquer das duas, sobra-lhe talento. Para ambas juntas, não há caminho.
2 comentários:
Seria bom fazer um cálculo sobre quanto custou para os bolsos do contribuinte brasileiro o Habeas Corpus que o Ministro Marco Aurélio de Mello concedeu ao Cacciola, mesmo ciente de que ele possúia cidadania italiana. "Quem é que vai pagar por isso?!
Grávidos de reis os supremos seguem supremos.
AGORA MESMO ,EM MAIO DE 2009, ESTÃO LÁ AS VELAS ACESAS DIANTE DO STF , ESTUDANTES E POVO CLAMANDO PARA O IMPEACHMENT DO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL , SENDO
QUE ELE NÃO ESTÁ NEM SENDO INVESTIGADO.
O QUE É MAIS ABSURDO?
A BISBILHOTICE NA VIDA DO MINISTRO?
AS ATITUDES DO MINISTRO ?
A MANIFESTAÇÃO POPULAR?
QUEM ERROU?
QUEM TEM QUE SER INVESTIGADO?
O QUE DEVE SER FEITO?
COM A PALAVRA O PRÓPRIO STF.
O QUE NÃO PODE É A INSTITUIÇÃO FICAR MANCHADA ... SOB PENA DE CAOS APOLÍPTICO DA REPÚBLICA.
JOÃO CARLOS
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