31.7.08

Pesquisas Eleitorais e Sopa de Legumes

Por Jairo Nicolau.

É impossível pensar as atuais campanhas eleitorais sem as pesquisas de opinião. Pelo menos uma vez por semana, algum instituto apresenta novos dados sobre a corrida eleitoral. E esses números têm sido decisivos para a escolha do eleitor, para os correligionários dos candidatos e para os financiadores de campanha; afinal, concentrar doações para candidatos sem chances de vitória parece não ser uma decisão razoável.
A divulgação maciça de pesquisas tem gerado duas reações opostas. Para alguns, os números que são divulgados conquistam um status de verdade absoluta. Após saber dos dados, estes acreditam que se a eleição fosse hoje a candidata do PC do B em Belo Horizonte chegaria mesmo em primeiro com 20% dos votos, ou que a candidata do PT em São Paulo venceria o primeiro turno com 34 % dos votos.
A outra atitude é a de enorme desconfiança das pesquisas. Seja com relação aos métodos utilizados, seja com as possíveis manipulações dos resultados. A desconfiança com o princípio da amostragem que guia a pesquisa de opinião é clássica: como entrevistando 1000 eleitores posso acertar o voto de milhões? Os rumores sobre manipulação dos dados pelos institutos (e até pelos órgãos de imprensa) são sempre repetidos, mas até hoje nunca comprovados.
Esta coluna tentará ajudar o eleitor a olhar mais cuidadosamente as pesquisas de opinião. Além da análise do significado político dos números que serão divulgados nos próximos meses, meu propósito é responder uma série de perguntas, que sei, atormentam alguns cidadãos: O que é margem de erro? Como os institutos brasileiros fazem as suas pesquisas? O que é um empate técnico? É possível confiar nos resultados de uma pesquisa que ouviu um numero tão reduzido de eleitores?

Amostra representativa

Não é uma tarefa simples convencer alguém de que o tamanho da amostra de uma pesquisa não tem nada que ver com o tamanho da população a ser pesquisada. Como é possível que um instituto entreviste 1000 pessoas na cidade do Rio de Janeiro, que tem cerca de 4,6 milhões de eleitores, e as mesmas 1000 entrevistas em Niterói, que tem 354.000 eleitores? No Rio de Janeiro cada entrevistado representa 4600 eleitores, enquanto em Niterói representa 354. Não parece mesmo fazer muito sentido. Mas faz.
A inexistência de relação entre o tamanho da amostra e o tamanho da população já foi comprovada por rigorosos testes estatísticos. Uma imagem culinária pode-nos ajudar a entender o princípio que guia as pesquisas por amostra. Imagine um cozinheiro de um restaurante que prepara uma sopa de legumes. Ele precisa apenas provar uma ou duas colheres para perceber se a sopa está ou não no ponto, independentemente do tamanho da vasilha em que a sopa está sendo preparada. Como veremos, as pesquisas de opinião são sujeitas a uma série de erros, e isso pode comprometer os seus resultados. É como se o nosso cozinheiro acrescentasse sal, e tirasse uma prova da sopa sem antes ter mexido a panela. Ou se usasse uma pequena colher incapaz de conter todos os legumes utilizados na sopa.
As eleições americanas de 1936 ilustram bem os tipos de erros e acertos que podem ser cometidos em pesquisas eleitorais. Naquele ano o presidente democrata Franklin Roosevelt concorria a reeleição, contra Alf Landon, candidato republicano. Uma revista, a Literary Digest, era famosa por acertar o resultado de todas as disputas presidências desde 1916. Em 1936 a revista enviou por correio mais de 10 milhões de cédulas para as residências americanas, e recebeu de volta 2,4 milhões de respostas. O resultado da pesquisa era inquestionável: vitória de Landon por 57% contra 43% de Roosevelt. Na realidade, Roosevelt saiu vitorioso com 62% dos votos, contra 38%.
Por que Literary Digest errou desta maneira, justamente quando conseguiu realizar a maior pesquisa de opinião já feita até então? O problema é que as respostas obtidas pela revista não eram representativas do eleitorado americano. A lista de 10 milhões de nomes foi organizada a partir da listagem dos proprietários de telefone (na época apenas um em cada quatro americanos tinha telefone), membros de clubes e portadores de carteira de motorista (também um luxo). Ou seja, a listagem representava, sobretudo, os segmentos mais abastados da sociedade americana, eleitores de Alf Landon.
No mesmo ano, um jovem chamado George Gallup utilizou uma amostra bem menor (50 mil eleitores) e previu que Roosevelt receberia 56% e Landon 44%. Diferentemente da pesquisa da Literay Digest, Gallup utilizou uma amostra representativa do eleitorado americano. Talvez não seja coincidência que a revista encerrou suas atividades alguns meses depois, e o Gallup Institute tenha se tornado a mais prestigiosa empresa de pesquisa dos Estados Unidos. Desde então as pesquisas feitas no país tornaram-se cada vez mais sofisticadas e precisas. Para se ter uma idéia, os erros do Instituto Gallup nas três últimas eleições presidenciais americanas foi de no máximo 2,8 pontos percentuais.

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Jairo Nicolau é doutor em Ciência Política pelo IUPERJ, onde é diretor de Ensino. O IUPERJ, vinculado à Universidade Cândido Mendes, é o maior centro de estudos em Ciência Política da América Latina.
Também é professor convidado do Mestrado em Ciência Política da UFPA, onde esteve neste mes de julho, ministrando a disciplina Metodologia da Pesquisa em Ciência Política.
A coluna, publicada na Veja online, procura responder as dúvidas relativas à amostra. Nas próximas edições vai enfocar outros temas e o blog vai acompanhá-la durante as eleições.

4 comentários:

Anônimo disse...

Juca, valeu pelo post, ajudou e muito a esclarecer as dúvidas mais frequentes sobre amostragem em pesquisas de opinião eleitorais na população.

Tomara que seja disseminado o conceito de que a representatividade da amostra pesquisada independa do tamanho da população.

A Estatística agradeçe!!!!!

Anônimo disse...

Em 2004 houve uma das mais repercutidas (em vários colégios particulares) eleições de grêmio estudantil: do Colégio Ideal.

O motivo principal foi a dissolução de 3, das 5, chapas, para uma bipolarização: entre os "CDF's" x "patricinhas e mauricinhos".

A dissolução das 3 chapas ocorreu justamente por erro no cálculo da pesquisa, que foi acompanhada até por um professor de matemática.

O erro foi basicamente: em um bloco de 900 alunos, foram feitas 5 entrevistas (cerca de 1 por 180 alunos), enquanto no outro bloco, de 1.100 alunos, foram feiras cerca de 20 entrevistas (uma a cada 55 alunos). Depois, consideram as entrevistas "todas iguais", sem distinguir idade, origem, sexo, colocação social, turno, etc.

A conclusão foi que as chapas com melhores bases eleitorais no bloco maior "dispararam" na pesquisa. Enquanto as com base no bloco menor, minguaram e foram relegadas ao menosprezo dos eleitores: só lhes restando abrir mão da candidatura e apoiar outras.

Terminou com uma bipolarização, depois teve erro de contagem e até altas brigas de meses por causa disso, mas não cabe mencionar aqui.

Quando descobriram o erro, teve gente querendo esganar o presidente da comissão eleitoral: havia chapa que desistiu da candidatura própria pra apoiar outra aparentemente mais forte, porém mais fraca na realidade.

Anônimo disse...

Jucaríssimo.
Como contribuição ao debate, mando-te texto do ex-blog do prefeito do Rio, César Maia (DEM),muito interessante sobre o tema. Abração.
Ronaldo Brasiliense, de volta.

QUANDO E POR QUE O RESULTADO DAS ELEIÇÕES NADA TEM A VER COM AS PESQUISAS DE INÍCIO DAS CAMPANHAS!

1. Os períodos anteriores às campanhas eleitorais vão informando ao eleitor sobre os políticos, suas posições e posturas, sobre os governos, as conjunturas que se sucedem... Especialmente nas pré-campanhas isso ocorre com intensidade. Por isso Paul Lazarsfeld dizia que era como uma foto (daquele tempo): impregnava a imagem no celulóide para ser revelada em campanha. Nos EUA a pré-campanha -as Primárias- é uma verdadeira eleição desde um ano antes das eleições. Nos regimes parlamentares -quase sempre binários- com os chefes de governo -atual e potencial de oposição- conhecidos, todo dia é dia de campanha, pois -teoricamente- os governos podem cair a qualquer momento e as eleições serem chamadas em 45 dias.

2. No Brasil além de nada disso ocorrer, ainda há uma legislação eleitoral que proíbe a pré-campanha e a reprime drasticamente com risco de inelegibilidade. Com isso, o eleitor chega ao processo eleitoral, 90 dias antes das eleições, com baixa informação. As exceções existem quando os candidatos são os que já foram governantes ou são para eleição. Exemplo: 2000 no Rio quando os candidatos eram um ex-governador, a vice-governadora, um ex-prefeito e o prefeito. Ou seja: o eleitor estava informado. Esse ano em SP da mesma forma. Os candidatos são um ex-governador/ex-prefeito, uma ex-prefeita, um ex-governador e o prefeito. O eleitor tem todas as informações sobre os atores políticos.

3. Mas quando isso não ocorre o eleitor entra em campanha muito mais desinformado do que deveria estar. Claro, pela ausência de pré-campanha, mas também porque a cobertura política é basicamente a cobertura dos governos. Sobre esses sim há informações. Os que já foram recentemente candidatos majoritários -a governador, prefeito e senador- têm seus nomes mais lembrados e em pesquisas antes da entrada da TV aparecem mais (o eleitor só entra em campo para valer uns 10 dias depois da TV).

4. Com isso as pesquisas pré-eleitorais entre nomes que nunca governaram têm uma taxa de decisão de voto (e não intenção) baixíssima e tudo pode acontecer. Este Ex-Blog semana passada lembrou os casos do Rio-Capital onde a população tem o maior índice de escolaridade entre as capitais e é a que mais lê jornal. Em 1992 nessa época o Data-Folha dava a Cidinha 23%, ao Albano Reis 13%, Amaral Neto 8% (havia caído, pois começou com 17% e Cidinha com 35%), Benedita 8% e Cesar Maia 7%. O primeiro turno -dois meses depois- terminou com Bené com 24%, Cesar Maia 16% e Cidinha 14%.

5. Em 1996, nessa época, o Data-Folha dava a Sergio Cabral 26%, Miro Teixeira 21%, Chico Alencar 6% e Conde 4%. Dois meses depois foram 33% para Conde, 22% para Cabral e 18% para Chico Alencar (que foi prejudicado pelo fato dos institutos todos, só terem identificado seu crescimento com atraso) e Miro Teixeira 7%. Em 2006 na Capital, Cabral tinha 42%, Crivella 22% e Denise 12%. Dois meses depois -Denise 31%, Cabral 30% e Crivella 14%.

6. As restrições no Brasil exigem dos partidos a mudança da legislação eleitoral para criar regras de pré-campanha. Que os meios de comunicação antecipem o foco em pré-candidatos de fato, que os partidos antecipem suas decisões (tem feito através de pré-convenções) para que -em eleição sem governantes, de antes ou de agora, as pesquisas retratem mais a decisão do eleitor que uma intenção difusa. Os eleitores e políticos perdem confiança nos institutos (que não fazem mais do que retratar o nível de informação pré-existente) e que não são responsáveis por intenções de voto de mínima sustentabilidade.

7. Por isso no ultimo Data-Folha, na pesquisa espontânea 79% dos eleitores do Rio-Capital não marcaram um nome sequer dos 12 apresentados.

Anônimo disse...

Não há dúvidas quanto a exatidão científica de uma pesquisa eleitoral. O problema é que estamos no Brasil dos jeitinhos. E estes aparecem na hora da manipulação dos resultados, através da imprensa não raras vezes comprometida atá a alma com o candidato - que normalmente a encomendou.