3.7.08

Leitura Vesga

Da advogada Mary Cohen, coordenadora da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OAB/PA, sobre a tentativa do MPE do Rio Grande do Sul em extinguir o MST.


A propósito das decisões do Ministério Público do Rio Grande do Sul, contra o MST, o documento, em seu radicalismo, sua fúria e sua construção de um fantasioso projeto revolucionário, lembra o famoso Plano Cohen, de autoria do capitão Olímpio Mourão Filho, para uso dos integralistas, e que serviu de pretexto para o golpe do Estado Novo, em 1937.
Foi divulgado, à época, um suposto projeto terrorista com o intuito de responsabilizar os comunistas pelo falso projeto, com apoio estrangeiro, para a implantação de um regime "soviético" no Brasil.
No documento dos promotores, é atribuído, ao MST, ligações com forças militares estrangeiras, guerra de guerrilhas, criação de territórios livres, e uma revolução de caráter socialista no Brasil. Não obstante bem escrito, sua linguagem é de extrema-direita e as idéias são tacanhas, bem assim como os argumentos usados para propor a extinção do movimento. Peca o documento ao ignorar, ao proporem a extinção do movimento, que numa comunidade de centenas de milhares de pessoas, é natural que haja descontentes e talvez mesmo criminosos.
Imaginar que os sem-terra devam constituir legião de anjos, descidos ao planeta para combater o latifúndio, é demonstrar absoluta desinteligência do mundo.
Mas não podemos ignorar que a maioria ali se encontra empurrada pela miséria absoluta, contando com uma cesta básica, e é de seu direito natural buscar comida para os filhos onde for possível. Eles não são apenas sem terra. Falta-lhes a terra, ou seja, o direito de estar no mundo. Em contrapartida, os promotores gaúchos também esquecem, em seu documento, as milhares de vítimas dos grileiros e da polícia nos últimos vinte anos, só para exemplificar.
Não podemos esquecer que, ao mesmo tempo em que os movimentos são atacados e depreciados e que mais de 30 lideranças dos movimentos sociais são investigadas pela Polícia Federal ou tem processos só na Justiça Federal de Marabá, os crimes contra os trabalhadores rurais e seus aliados continuam impunes.
O único mandante preso no Pará, Vitalmiro Bastos de Moura, Bida, condenado pelo assassinato de Irmã Dorothy foi libertado por decisão de novo julgamento no tribunal do júri. E as suadas conquistas dos povos tradicionais enfrentam barreiras cada vez maiores como é o caso da suspensão pelo STF da retirada dos arrozeiros da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e os constantes ataques de graduados militares do Exército Brasileiro contra a demarcação em área contínua desta área, sob o argumento de defesa da soberania nacional.
O mesmo se pode falar dos ataques que acabaram praticamente paralisando as ações de reconhecimento de áreas quilombolas.
Não podemos fazer uma leitura vesga dos fatos, como fizerem os promotores gaúchos.

4 comentários:

Anônimo disse...

Juca, só uma observação: não é leitura vesga, a do Ministério Público do Rio Grande do Sul e de alguns dos comentaristas deste blog, não. É leitura mal-intencionada mesmo. Obrigado Mary Cohen, pela clareza do texto e pela postura decente em defesa dos Direitos Humanos.Infelizmente sinto que hoje há muitas mentes saudosas de 64.

Anônimo disse...

Não são mentes saudosas de 64 não.
São legítimos proprietários que têm suas terras invadidas, incendiadas e esbulhadas por hordas de bandidos que usam essa e outras bandeiras para lhe imputarem a áurea de excluídos.

Anônimo disse...

O anônimo das 4:38, que não somente é vesgo, mas deve também ser torto...de caráter.
Apóia o grupo de extermínio que operava na polícia militar é?
Felizmente as coisas não funcionam mais na base do direito total para os latifundiários. Tanto é assim que o MPE gaúcho teve que voltar atrás.
E quem disse que são legitimos proprietários? De quem adquiriram essas terras? Qual a origem das mesmas? Estiveram ou estão envolvidos em esquemas de corrupção da sudam, sudene ou outro? E o cartório que conferiu o título, tem esquema de corrupção como tantos outros por esse Brasil varonil?
pelas estatisticas, a maioria das terras dos grandes latifundios SÃO GRILADAS, istoé, terras públicas indevidamente passadas para particulares...são esses os legitimos proprietários????
Seu anônimo, leia e releia com atenção ao que a Mary Cohen escreveu, de preferência com um bom óculos para corrigir sua miopia.
Marcelo

Anônimo disse...

Parece que fazem confusão costumeira, de cunho quase romântico, acerca de todas as circuntâncias dos movimentos sociais como se fossem imunes às críticas. Nos movimentos há exceções, que eventualmente esquecem a conotação social e buscam o movimento como meio de vida. Aliás, recentemente foi noticiado como o Ministério Público bem demonstrou isso ao conseguir a suspensão dos recursos do INCRA.
Acho que o caminho é justamente esse: separar o joio do trigo, seja quem for, dentro dos movimentos sociais. Os que se excedem aos fins dos movimentos e violam as bases da democracia, sob a suposta chancela de uma "imunidade social", devem ser exemplarmente alcançados, sob pena de se permitir que os argumentos dos inimigos dos movimentos sociais sejam fortalecidos.