Por Mino Carta, na mais nova edição da Carta Capital.
Hugo Chicarone, professor na gangue do Opportunity, disse: O problema para nós está na primeira instância, no STF e no STJ a gente tem vida fácil. A frase é recente, e certamente apressada. Confiante demais. Inegável, porém, é que a situação de Daniel Dantas na 6ª Vara de São Paulo está destinada a um desfecho fatal, enquanto o habeas corpus concedido pelo presidente do Supremo, Gilmar Mendes, não passou de paliativo.
O banqueiro já voltou à prisão. O Rubicão foi transposto. O disco rígido retirado pela PF da sede do Opportunity há quatro anos finalmente foi aberto e a nação tem o direito de conhecer seu conteúdo. Altíssima figura da República, em fins de 2005, quando perguntei em off por que o disco continuava fechado, respondeu textualmente: “Se for aberto, o Brasil pára por dois anos”. Outra personagem de primeiro plano foi além: acaba a República.
CartaCapital permite-se vaticínios opostos.
A nação abre os olhos e a República se fortalece. Sempre convém botar pingos nos is e dar o nome aos bois. Graças às façanhas do banqueiro do Opportunity, o Brasil tem a chance de uma mudança real, profundíssima. DD não é Sansão. Está habilitado, porém, a levar para o inferno um número expressivo de filisteus. Houve até quem supusesse que o homem tem uma abnorme orelha direita e acusasse CartaCapital de sublinhar-lhe o defeito físico. Mas o banqueiro deve seu desmesurado ouvido a uma caricatura fotográfica produzida pelo computador, de sorte a caracterizar alguém tão obsessivamente inclinado a ouvir a conversa alheia.
CartaCapital, desde a época de quinzenal, faz mira insistente no orelhudo porque sabe dos seus poderes daninhos. Foi pioneira na identificação de um esquema de corrupção montado há muitos anos e de proporções e capilaridade extraordinárias, e logo ganhou a companhia de outra revista, a Teletime de Rubens Glasberg, e de dois jornalistas acostumados a remar contra a corrente, Paulo Henrique Amorim e Luis Nassif.
Autor da primeira reportagem dantesca de CartaCapital foi Giancarlo Summa. Depois o então redator-chefe Bob Fernandes escreveu várias e, ao deixar a revista, manteve a mesma linha de atuação em seu freqüentadíssimo blog. Feitas as contas, trata-se de uma armata brancaleone empenhada em atirar pedrinhas sobre a avenida do império midiático nativo.
O enredo é conhecido e se repete em todos os quadrantes da atividade jornalística. Os praticantes do espírito crítico, prontos a fiscalizar o poder onde quer que se manifeste, pagam caro por isso. No caso de CartaCapital, tivemos de enfrentar anos a fio a pecha de cultivar preconceitos, quando não ódio descabido, sem contar o comportamento de algumas agências de publicidade que descobriram um bom motivo para nos negar anúncios. Nem por isso recuamos. Hoje aqui estamos sem a vontade de celebrações retumbantes. Podemos ter apenas a certeza do dever cumprido. De resto, a questão ainda não chegou ao ponto de fervura.
Esta operação batizada em sânscrito tende a ser, entretanto, o começo de uma mudança capital na história do País. Assim seria se o Estado provasse sua disposição e sua capacidade de debelar a corrupção e a sociedade a mesma determinação para afastar quem a envergonha.
Envergonha?
Cautelas e dúvidas sempre cabem. Nem tanto em relação ao governo do presidente Lula, que age agora com insólita firmeza depois de muitas tergiversações, abençoadas pela ministra do Supremo Ellen Gracie, e a despeito de claras divergências dentro da própria corporação policial. As dúvidas maiores dizem respeito ao establishment, a viver no momento entre o espanto e o pânico, na percepção de que o entrecho é muito maior e mais complexo do que parece.
Não causa surpresa, pelo contrário, a reação imediata do império midiático, porta-voz dos graúdos do Brasil, dos senhores, dos barões.
Está claro o empenho em conter a situação dentro dos limites do passado próximo e do presente, como se a origem da investigação remontasse apenas e tão-somente ao chamado mensalão. No entanto, é do conhecimento até do mundo mineral que o fio da meada está no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, na infame marmelada das privatizações, quando o Opportunity se tornou o banco do tucanato, depois de ter prestado inestimáveis serviços ao PFL.
Longo período de mazelas e falcatruas, cujo fruto de recente maturação é a celebradíssima BrOi, a fusão apresentada como indispensável aos interesses do Brasil. Quanto ao valerioduto, não passa de um capítulo da história, e nem mesmo significativo. Ainda assim, a tentativa de turvar as águas, de engodar os ingênuos e os aspirantes ao privilégio em geral está em pleno andamento, com a contribuição de jornalistas (?), editorialistas, colunistas e quejandos, que até ontem tocaram seus violinos a favor do orelhudo.
Do orelhudo e da sua turma, aconselhada e defendida por um exército de advogados e até por um pelotão de jornalistas (?), ou melhor, mercenários da imprensa escrita e falada. Já houve tempo em que Dantas tentou corromper CartaCapital, por meio de uma campanha publicitária. Veio a equipe do Comercial: “Aceitamos?” Por que não, se os anúncios não forem politicamente incorretos? Tudo não foi além de duas inserções. Logo saímos com mais uma reportagem de capa sobre as façanhas do orelhudo.
A campanha foi cancelada, e a gente riu muito.
O banqueiro moveu dois processos contra o acima assinado. O primeiro no Cível, e perdeu. O segundo, no Criminal, está em curso. Quem advoga a causa de Daniel Dantas é o escritório de Márcio Thomaz Bastos, e a ação foi iniciada durante o primeiro mandato do governo Lula. Bastos desligara-se da atividade advocatícia pelo tempo em que ocupasse a pasta da Justiça. Não engulo, contudo, este pormenor da história, decerto secundário. Bem como não engulo outro, muito mais importante: o encontro do então ministro da Justiça com Dantas, para um jantar na casa do senador Heráclito Fortes, graças à intermediação de dois deputados petistas. Pois infinitos foram os caminhos do orelhudo, para a vergonha do Brasil.
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