17.11.08

A Não Política

“A política está sendo varrida . Existe uma cultura há anos no Brasil repetindo a idéia de que o bom candidato é aquele que responde a problemas práticos. Esquerda e direita acabaram. O eleitor pensa nas questões práticas, escola do filho, transporte e esgoto”, diz o cientista político Renato Lessa.
Ele critica o cenário que levou ao que atribuiu a um certo “enfado” com relação aos políticos e critica a “tendência crescente do eleitor pragmático, aquele que vota com foco na administração o que, na sua avaliação, vem se repetido à exaustão em todos os níveis do Executivo.
O professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) diz que neste universo do voto racional, “outra coisa terrível é a idéia de que esse eleitor vota no candidato que é amigo do prefeito, governador e do presidente”. diz. E frisa que há tendência de um corte deste processo com a provável vitória de Gilberto Kassab, em São Paulo, e a disputa acirrada no Rio e Belo Horizonte, mostrando o questionamento do eleitor à força do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dos governadores Sérgio Cabral e Aécio Neves
Em conversa com o Valor, o professor falou do perfil do eleitor que cresceu mas pouco se politizou depois do golpe de 1964.
Abaixo os principais trechos da entrevista:

Valor: As prefeituras hoje com mais recursos financeiros permitindo maiores realizações estão influenciando a reeleição? O eleitor está cada vez mais deixando a política de lado?

Renato Lessa: Primeiro, acho que se trata de uma hipótese com tinturas mitológicas, que por todo o Brasil os prefeitos que tiveram mais dinheiro foram bem avaliados e o eleitor votou neles. Não acredito que as coisas funcionam desse jeito. Política é mais complicada. E também não acredito que exista um eleitor médio. Tenho colegas que acreditam nessas ficções estatísticas. Eu acredito em eleitores reais. E os casos são diferentes. A mesma motivação que podem levar os eleitores de Salvador (João Henrique, PMDB) a reeleger um prefeito não são necessariamente as mesmas motivações que levam os paulistas a reeleger o (Gilberto) Kassab (DEM), embora em ambos os casos você tenha um prefeito bem avaliado. Há fatores locais que não podem deixar de ser levados em conta porque as eleições não são coordenadas nacionalmente.

Valor: Mas o senhor concorda que os eleitores estão partindo para o voto mais pragmático?

Lessa: A hipótese do eleitor pragmático está posta. Merece algum tipo de atenção. Pode também estar decantando na cabeça do eleitor a maneira correta de votar diante de um certo enfado com relação a questões de política. Há décadas vem sendo repetido que política é uma coisa ruim, horrorosa, que só interessa a gente corrupta e que tem relações escusas. Então política é tudo aquilo de que devemos nos afastar e a gestão é tudo aquilo que devemos apreciar.

Valor: Mas ao mesmo tempo o número de candidatos a cada eleição só cresce…

Lessa: No Brasil, dois em cada três brasileiros votam. É um eleitorado imenso. São 138 milhões de eleitores para 183 milhões de habitantes. Na última, foram 350 mil candidatos a vereador, 17 mil a 18 mil para prefeito. O tamanho disso não é brincadeira de dois em dois anos temos uma multidão incalculável que se mobiliza e vai às urnas. Esse eleitorado teve dois piques de crescimento na fabricação de um eleitor mas despolitizado. Depois do golpe de 64, foram dois momentos de expansão forte. O eleitorado disparou mais de 180%. É uma coisa extraordinária que é um caso de crescimento eleitoral sem política. Foi a única ditadura do mundo com aumento exponencial do eleitorado.

Valor: Por que cresceu tanto?

Lessa: A população cresceu mas entre as razões estão o aumento da alfabetização e da urbanização. E aumentou nesse eleitorado o número imenso de eleitores desqualificados em termos educacionais, com os analfabetos funcionais que entraram nisso. Outro espasmo se deu depois da Nova República.

Valor: E a redemocratização de 1988?

Lessa: Se pegarmos a Carta de 1998 duas grandes novidades institucionais vamos ver uma mudança de papeis. Uma é do Ministério Público e do Judiciário. O MP deixou de de ter as funções tradicionais do promotor, acusador e passou a defensor da cidadania. E a partir daí toda uma difusão de uma ideologia, uma mentalidade, um imaginário de que os brasileiros são portadores de direitos.

Valor: Foi a busca dos cidadãos em fazer prevalecer seus direitos que diferenciou as instituições?

Lessa: Os direitos dos brasileiros não são expressos através dos partidos. E não é apenas porque o Legislativo está asfixiado e insulado pelas medidas provisórias do Executivo. O eleitor hoje vai buscar os direitos no Judiciário. O Congresso hoje é um conjunto de pessoas eleitas que ficam à disposição do presidente para fazer maiorias, para compor maiorias de governo, muito distante da população aqui em baixo. E a população está aprendendo, cada vez, a mobilizar o Judiciário e o sistema de Justiça para defender suas causas.

Valor: O senhor fala em um eleitor focado em questões práticas. A candidatura Gabeira, no Rio, se enquadra neste perfil?

Lessa: O Gabeira nessa eleição no Rio está tentando animar a questão da grande política. O Rio é uma cidade global, uma das maiores metrópoles do mundo, não pode ser pensada como um problema local tem a ver com o pais e o mundo. A candidatura dele é teste interessante para ver se há espaço na cidade do Rio para quem se apresenta de uma maneira mais politizada no sentido mais amplo. Diz que vai pensar a cidade, as milícias ilegais, o meio ambiente. Contrapõe o estilo completamente asséptico sem política, do gestor, do prefeitinho da Barra (função que foi ocupada pelo opositor a Gaberia, Eduardo Paes, do PMDB, no início da trajetória política) contra a idéia que uma cidade dessa complexidade tem que ter estadista.

Valor: Em São Paulo não está sendo posto em questão a capacidade de Lula tranferir voto?

Lessa: O que está acontecendo em São Paulo é o que sempre aconteceu. Não está acontecendo nada novo. O PT em São Paulo tem o que a Marta (Suplicy) tem. Não é que Kassab é o administrador bem sucedido e admirado. É que o PT tem teto eleitoral. A Marta só ganhou quando disputou com o (Paulo) Maluf. Só ganhou quando Mario Covas desembarcou do consultório médico, quando estava proibido de sair, e foi fazer campanha para ela, colocou o PSDB ao seu lado. Marta com Covas ganhou do Maluf, mas sozinha não ganhou do (José) Serra e não ganha do Kassab. É questão do tamanho eleitoral que o PT tem em São Paulo. É imenso mas é menor do que a metade. Pode até existir transferência de voto em tese, mas em São Paulo o que está acontecendo é a repetição de um padrão eleitoral que está consolidado.

Valor: E para presidente da República, transfere?

Lessa: Depende muito, é totalmente circunstancial. Depende de quem é a pessoa e de quem é o inimigo. Não há uma teoria geral. Mario Covas transferiu para Marta porque o inimigo era o Maluf. (Leonel Brizola) transferiu voto no Rio para Lula quando o inimigo era (Fernando) Collor. Se o candidato que disputasse contra Lula fosse Mario Covas ou Ulysses Guimarães dava para transferir aquela quantidade toda de votos? Não sei, a ver. É muito circunstancial.

Valor: O que sai dessa eleição agora já permite projetar a tendência do quadro partidário para 2010?

Lessa: Tendência para 2010 é complicado mas força é algo a considerar. É força partidária para disputar eleições que virão. Três grandes partidos PT, PSDB e PMDB. Pegando a distribuição de votos nas cidades com mais de 200 mil votos no primeiro turno esses três partidos são os campeões. Mais abaixo vem o DEM. Nas 80 cidades maiores, o DEM teve desempenho quase de pequeno partido, ficou lá em baixo. Perdeu as lideranças e o palanque. O partido foi comido no interior pelo PT que entrou nos grotões e o PSDB se consolida como o principal partido de oposição. Mesmo com a vitória do Kassab, em São Paulo, ninguém vai acreditar que será uma vitória do DEM. Os três maiores partidos com escala nacional são o PMDB, PSDB e PT tem base e densidade eleitoral. O Lula não sai enfraquecido. Há uma teoria que com uma derrota da Marta elimina a Dilma (Rousseff). Eu não entendi essa dialética.

10 comentários:

Anônimo disse...

Como diziam os membros da Bleures: é tudo isso!!!

Nadinha de souza disse...

Juca,

Quero, sem muita pretensão e precisão, descordar do Lessa.
O voto "pragmático" e a disputa centrada em obras e serviços (a correspondente desse tipo de voto) não é sinônimo do fim de esquerda e direita. Essa, para mim, é um argumento tão falido e defasado quanto o livre mercado. São formulas do neoliberalismo para escamotear seu conteúdo de classe naquilo que propõe como ideologia (visão de mundo que se manifesta em todas as dimensões da vida pessoal e coletiva).
A questão "quem fez mais?", guarda a pergunta "para quem?" ou "para quê?". E isso diferencia esquerda e direita, aliás, com uma atualidade estraordinária, pois bem mais emancipada dos maniqueísmos dos tempos da Guerra Fria.
O Gabeira fazer uma campanha com simbologias, aparentemente progressistas, não esconde, também, que, no fundo no fundo, era sustentado pelo Garotinho e pelo César Maia. Como pode isso ser de esquerda hoje em dia, na posição concreta?
São Paulo e BH não foram demonstração de contestação do eleitorado à força do presidente Lula. Valha-me Deus! O Quintão é da base, apoiado por Alencar e Hélio Costa. A Jô Moraes era do PC do B. O Lacerda venceu a eleição, apesar do apoio tucano, era apoiado pelo PT e filiado ao PSB. O Cassab não deu um pio sobre o presidente Lula. Inclusive, a linha do PFL em todo o país foi dizer que o presidente tem grandeza de espírito, não é sectário, não faz a política velha do "primeiro os seus" etc.
Opinião minha: sou mais uma campanha baseada na prestação de contas do que se fez ou não, que enseje o "para quem" e o "para quê", do que uma disputa baseada em marxismo versus liberalismo, neoliberalismo versus sei-lá-o-que-ismo, com enfoque doutrinário, ideologizado. As doutrinas, as ideologias são substratos dos programas políticos, gostem ou não, mas a disputa que é útil para os projetos, para as pessoas, é a realização das ideologias e das doutrinas, é o momento em que "a filosofia se faz história". Isso é o que importa.

Um abraço,

Leopoldo Vieira

Anônimo disse...

O ex-delegado João Morais e um pequeno grupo de delegados, que sempre se calaram nos governos tucanos, dos quais fizeram parte e de quem nada levaram em relação a salários, estão acampados neste momento na frente do Centro Integrado de Governo (CIG).
Estão cobrando a isonomia salarial com atraso de 14 anos. Querem que a Ana Júlia pague a qualquer custo. O Morais está até com um adereço de palhado no nariz, que por sinal fica muito bem nele. Recordar é viver: quando era delegado geral do governo tucano, o Morais sacaneou o que pôde com todos os policiais e soube de sua demissão através de imprensa.
Tirou uma de candidato metido a sério e agora deve estar querendo algum cargo público, porque não tem sentido ele participar desta greve. Não há clima pra ele.

Anônimo disse...

eu fico com sócrates: a democracia é a pior das tiranias.

Anônimo disse...

Se for pra detonar a democracia, Sócrates é uma péssima referência, até porque instigava os outros a pensar. Aliás, ele nunca escreveu nada e nada impede que Platão o tenha falseado para fundamentar a criação dos sistemas perfeitos dele.
Se o alvo for a democracia, repito, sou mais o Bakunin et caterva...explode essa m..mas explode pro povo se dar bem...

Anônimo disse...

Dizem que serão divulgados em breve os salários líquidos dos delegados de polícia.

Trabalho na SEAD e sei que alguns ganham mais de 20 mil, fora o "por fora".

Será que eles pensam que a gente não pensa.

Silvana

Unknown disse...

Obrigado pela participação,Lepoldo.
E aos comentaristas que recusam ou protegem a Democracia, sugiro uma busca no verbete Poliarquia, na perspectiva de Wanderley Guilherme dos Santos.

Abs a todos.

Anônimo disse...

Sócrates instigava os outros a pensar, e por isso foi condenado e morto, exatamente para que o poder não fosse titularizado por uma massa de ignorantes. Bakunin é um gérmen de Hegel, o que depõe de per si contra ele.

Anônimo disse...

Sócrates não escreveu nada.... Ora, já esqueceu que ele era peripatético e maiêutico? O que é suficiente para fugir a qualquer cânone escrito.

Anônimo disse...

Renato Lessa faz uma reflexão muito importante sobre a política, notadamente quando se refere à semelhança entre os partidos políticos. A política está cada dia mais sendo trabalhada na dimensão de uma "gestão administrativa". É certo que é muito mais fácil diluir os conflitos sociais dando-lhes tal perspectiva, mais difícil é realizar ações que dignifiquem a representação deste imenso eleitorado brasileiro.
A ideologia há muito deixou de abordada apenas na ótica da luta de classes, é bem mais complexa e muito mais eficaz, seus usos e finalidades.
É claro que para muitos dos "cientistas políticos" as fórmulas de bolo da "escolha racional" permitem maior desenvoltura na explicação de alguns "fenômenos políticos", e ajudam a esconder o grau de cinismo e instrumentalização com explicam os cenários eleitorais.
Como bem percebeu Pero Vaz de Caminha, "aqui em se plantando tudo dá".