Por Breno Rodrigo de Messias Leite*
Em De l’Esprit des Lois, Montesquieu constrói um modelo político-institucional que revolucionou o modo de se pensar e de se fazer as instituições políticas no Ocidente: inaugurou o princípio – já em curso na Inglaterra – da separação dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Para Montesquieu, os poderes seriam interdependentes e teriam como desígnio o exercício do controle mútuo. E mais ainda, a separação dos poderes seria a única forma de se evitar o absolutismo e a autocracia.
Inspirados diretamente em De l’Esprit des Lois, Madison e os Federalistas, os pais fundadores do modelo político-constitucional dos Estados Unidos da América, construíram os mecanismos de “freios e contrapeso” (checks and balances). Este tinha como princípio o estabelecimento de instrumentos capazes de manter e de conjugar os padrões de interação entre os poderes Executivo e Legislativo; dotar o poder Judiciário de autonomia e força constitucional; e inviabilizar a ditadura da maioria legislativa, possibilitando, dessa forma, a participação política das minorias, o revezamento da situação e da oposição.
De forma bastante clara, o modelo madisoniano “está apoiado na idéia de que uma ambição pode ser neutralizada por outra ambição. A partir dessa perspectiva, se idealizou uma estrutura institucional na qual o Executivo e o Legislativo deviam ser escolhidos de forma independente um do outro. O pressuposto era o de que, desse modo, seriam criadas duas instituições independentes entre si, capazes de se controlar mutuamente”. (Ver, Mariana Llanos & Ana María Mustapic, O Controle Parlamentar na Alemanha, na Argentina e no Brasil, 2005).
É claro que a realidade é dinâmica e o modelo de democracia dos Estados Unidos não funciona necessariamente assim. O sistema partidário tornou-se dual e majoritário; inviabilizou, de certa forma, a participação de minorias políticas relevantes; e o presidencialismo tornou-se imperial.
Ao sul do equador, no caso latino-americano e brasileiro, em especial, a construção da República inspirada nos modelos dos Estados Unidos, da França e do próprio poder moderador monárquico conservou, no plano prático, a essência da separação assimétrica dos poderes. Para os construtores do Brasil republicano, a conjunção dos três poderes, entendidos de forma administrativamente autônoma, dentro de uma unidade político-institucional comum, só poderia ser colocado na prática a partir da construção de um Estado de Direito que fosse constitucionalmente eficiente e estruturado em um poder executivo forte e centralizador.
Ocorre que, por outro lado, a auto-regulação e a separação dos poderes sempre foram problemas inerentes às instituições políticas no Brasil. Dessa forma, a construção da república criou as condições objetivas para um funcionamento mais autônomo do poder Executivo e uma retração dos demais poderes, o Legislativo e o Judiciário. Uma relação desigual entre os poderes constituídos.
A idéia de um Brasil moderno, onde a separação dos poderes pudesse estruturar uma trajetória dependente de instituições políticas democráticas, deu lugar a existência de um Brasil de instituições, paradoxalmente, fortes e robusta, e ineficientes e precárias do ponto de vista do universalismo de procedimentos.
A construção e separação dos poderes seriam, portanto, instrumentos de democratização das relações políticas, partindo do princípio de que as instituições importam no contexto da responsabilização e da participação da cidadania, bem como na construção de um Estado Democrático de Direito capaz de responder a demandas econômico-sociais através do processo decisório legítimo. Mas a dinâmica tem funcionado no sentido de sobre-determinar assimetricamente os poderes e radicalizar as suas contradições, dificultando, dessa forma, um projeto republicano de democracia.
Além do mais, os paradoxos do presidencialismo podem não só comprometer seu próprio funcionamento – num processo de autofagia –, mas corroer todas as outras instituições políticas que se sentem acuadas pelo excesso de poder do presidente. Uma vez que o presidencialismo tem “um Executivo com consideráveis poderes constitucionais e geralmente com o controle completo da composição de seus ministros, e seu governo é eleito pelo povo por um mandato fixo, que não está em função de um voto de confiança dos representantes democraticamente eleitos no parlamento. Além disso, o presidente não é somente o proprietário do poder executivo, mas o Chefe de Estado que não pode ser demitido, exceto em casos de impeachment” (Ver, Juan Linz. Presidential or Parliamentary Democracy: does it make a difference?).
Dessa forma, é necessário superarmos os paradoxos do presidencialismo tropical. Construir uma transição institucional capaz de equacionar a importância da participação popular sem deixar de lado a eficiência governativa; uma forma de representação republicana que responda às pressões sociais, respeitando a construção do sistema multipartidário, a plena separação dos poderes e inviabilizando, portanto, a paralisia decisória. Eis os desafios do nosso Leviatã-Quasímodo.
* Mestrando em Ciência Política (PPGCP) pela Universidade Federal do Pará.
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