Por Kennedy Alencar, da Folha de SP.
( Para Cjk, Fernando Bernardo e Francisco Rocha Jr.)
O ministro da Justiça está certo. Os grupos de esquerda que recorreram à luta armada para enfrentar a ditadura não eram terroristas. Ações isoladas podem ser classificadas como terroristas, porque atingiram inocentes que nada tinham a ver com a ditadura. Mas foram exceções. O terror não foi um método usado por nossa esquerda. Carimbar aquela geração de terrorista é uma injustiça. Equivaleria a dizer o mesmo da Resistência Francesa. Seria um erro histórico.
Obviamente, hoje é fácil enxergar que a luta armada foi um equívoco. Estava fadada ao fracasso, mas era uma atitude de resistência contra um regime de opressão.
Convém lembrar que militantes de esquerda foram presos, julgados, condenados e cumpriram pena. Pelas leis da ditadura, esses militantes sofreram punições.
Outros militantes foram barbaramente torturados e assassinados. As leis da ditadura não legitimavam esses crimes hediondos e imprescritíveis. A Lei da Anistia (1979) não os perdoou, de acordo com o direito internacional. Resultado: existem torturadores e assassinos livres, leves e soltos por aí.
Há diferenças nos atos violentos praticados pela ditadura. Exemplo: agentes da repressão entram numa casa, prendem um militante, o levam para o Dops, ele é julgado e cumpre pena. Digamos que, no limite, tenha havido um confronto real, com a morte do militante. Todas essas ações estavam dentro do arcabouço legal da ditadura. Havia um confronto, e os movimentos estavam cientes do risco que corriam.
Mas torturar e assassinar, não. Ocultar cadáveres e simular confronto para matar, não. Essas foram violências ao próprio marco legal do regime. Foram crimes praticados pelo Estado. Tortura não é crime político, tampouco o assassinato de opositores políticos. A jurisprudência internacional diz que esses crimes são imprescritíveis. Tarso Genro age corretamente ao dar apoio aos que desejam que torturadores e assassinos sejam responsabilizados. Não se omite como fazem neste assunto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Defesa, Nelson Jobim, que parecem ceder ao falso argumento de que se trata de revanche. As Forças Armadas de hoje deveriam ser as mais interessadas em tirar essa mancha de sua história, como o Estado alemão fez ao condenar os crimes do nazismo.
20 comentários:
Meu tio dizia que considerava fundamental que noções de Direito fossem ministradas na grade curricular do ensino médio e/ou fundamental. Depois de esquentar por três anos os bancos do curso na UFPA, cheguei a mesma conclusão. A ignorância do raciocínio jurídico é um negócio que prejudica a inteligência coletiva de forma aterradora.
O debate que uns fazem da ditadura é uma galhofada.
O ponto central é: golpistas derrubaram um regime democrática e implantaram a ditadura, para manterem o regime torturaram e mataram na ilegalidade de sua própria legalidade ilegítima, se tratava de uma ditadura. Nesse contexto qualquer resistência é legítimo, principalmente a armada. Digo principalmente porque se o movimento fosse forte e enraizado, seria o meio mais eficaz e rápido (velocidade é essencial quando se refere à tirania) para detonar o regime. Ponto final.
Se o golpe foi articulado por bilionários associados a ricos brasileiros, se teve a participação da CIA etc são perfumaria tanto quanto se o real objetivo dos guerrilheiros era o socialismo e não uma democracia liberal.
Quem ideologiza o debate é o suspeitíssimo Gilmar Mendes, que quer safar a bronca dos fascistóides e viúvas da ditadura qualificando os guerrilheiros de "comunista", especulando que queriam criar uma URSS tropical e assim por diante.
Esse juiz não honra a toga que veste e como ele domina a racionalidade jurídica, trata-se indubitavelmente de um defensor daquele regime odioso como saída para as "extrapolações" democráticas. Ou seja: estamos diante desse tipo moderno de facista, envergonhado, tímido, pero iguais os de sempre.
A política pode determinar que não se abram arquivos ou se julgue esses militares. Já o julgamento moral não tem margem de erro e nemrelativismo nesse caso. Ou se é um democrata ou um fascista cabisbaixo.
Obrigado Juvêncio.
De nada, jk.
O comentarista das 1:37 é neto do saudoso desembargador Orlando vieira. Era o neto preferido, aliás.
Ok, caro, sem problemas.
Fico feliz em saber que nos conhecemos. Abs
Juca, também agradeço. Kennedy Alencar disse com clareza tudo aquilo que penso. E reafirmo, ao lado dele e de Tarso Genro: a tortura comprovadamente realizada pelos membros do regime que durou de 64 a 85 é crime imprescritível, pelo qual seus praticantes têm que ser julgados.
Absoluta a relevância da lembrança, feita por Leopoldo Vieira, quanto à urgência do ensino de "noções de Direito ministradas na grade curricular do ensino médio e/ou fundamental."
Talvez com ele, pudessemos esclarecer algumas questões, que o próprio texto de Alencar suscita:
O Kennedy Alencar escreve que "Os grupos de esquerda que recorreram à luta armada para enfrentar a ditadura não eram terroristas." Mas aí, em seguida, afirma: "Ações isoladas podem ser classificadas como terroristas, porque atingiram inocentes que nada tinham a ver com a ditadura. Mas foram exceções. O terror não foi um método usado por nossa esquerda."
Como se responsabiliza, no âmbito penal, a ação de "grupos"? E a individualização das condutas? Sim, porque... ele afirma: "Ações isoladas podem ser classificadas como terroristas, porque atingiram inocentes que nada tinham a ver com a ditadura." O que ele quer dizer exatamente com isso?
Engraçado que, no artigo, ele nem cita Cel Ustra (um dos pivês do caso), mas diz que "Foram crimes praticados pelo Estado", mesmo afirmando anteriormente que a conduta de torturar e assassinar, (...) ocultar cadáveres e simular confronto para matar (...) essas foram violências ao próprio marco legal do regime.
Mas o mesmo raciocínio não se aplica aos "grupos de esquerda", já que só houve "ações isoladas", que não geram ersponsabilização (ou accountability, hehe). É isso mesmo??
Ações essas que "podem ser classificadas como terroristas, porque atingiram inocentes que nada tinham a ver com a ditadura." (Kennedy Alencar, FSP)
"mas foram exceções": relativo - são mentirosos os dados do TERNUMA? cabe discutir quantidade de mortos? Tem alguma relevância do âmbito penal? 1 morte, 3, 60, 130?
São essas questões, que eu considero eivadas de problemas lógicos, que me trazem ao debate.
Julgamento para TODOS!!
Obrigado, JuvênciO!!
Vamos à elas, pois.
Obrigado, AnônimO
Esqueci-me de subscrever o comentário acima. E quem mais poderia ser?
Fernando Bernardo
Não, amigo. Nada de sentenças aqui na caixinha.
Sigamos o debate no nível que tem vindo até agora.
Tks, e um abs pra vc.
Lá vamos nós de novo.
Os dados do Ternuma são mentirosos? Sim, são. Pois falseiam a verdade ao desconhecerem (ou fingirem desconhecer) o contexto histórico de repressão política em que os fatos aconteceram.
Repito, quem tentou explodir com Hitler, Pinochet ou com Médici não pode ser considerado terrorista.
Os argumentos do Kennedy Alencar não devem ser distorcidos. Ele admite que as mortes em conflitos ocorridos entre um grupo armado as as forças militares o paramilitares da ditadura seriam coisas esperáveis e até aceitáveis num contexto de guerra revolucionária ou de revolta poítica. Afinal de contas é da natureza da guerra matar ou morrer em combate.
Mas as leis de guerra, as convenções de Genebra, etc, igualmente reconhecem a inviolabilidade da pessoa do prisioneiro de guerra, que não pode ser submetido a maus tratos, torturas ou execuções sumárias. E é este o tópico que estamos discutindo.
Um covarde como o coronel Ustra, que nunca deu um tiro em ninguém, nunca foi um combatente, mas que torturava e matava pessoas indefesas não merece ter a proteção de uma instituição séria como o Exército Brasileiro.
Evidente que a posição de cada um, e do Estado brasileiro em especial dependem sim de posicionamento ideológico e da conveniência do Poder ao enfrentar estas questões. Na Espanha, na Argentina e no Chile o Poder Judiciário sempre que acionado manda para a cadeia quem cometeu atos bárbaros durante a época da repressão em que aqueles países viveram.
Aqui no Brasil nossa tradição histórica é a de "deixar prá lá". Foi assim em 45. Talvez venha a ser assim, de novo. Mas temos que saber que se vamos optar pelo amplo "esquecimento" penal dos crimes que agentes da ditadura cometeram, ao menos admitamos o que estamos fazendo, não fiquemos tergiversando.
Tortura não!
Exceções, às vezes, são regras. O artigo é bom, mas peca ao defender aqueles que mataram inocentes em nome de uma ideologia com o pretexto de vale tudo em nome da causa. Há culpados em ambos os casos e devem ser julgados conforme seus crimes, sem querer dulcificar militantes desta ou aquela agremiação. Os dias eram outros naquela época e muita injustiça foi feita em nome da "causa".
Justiça igual para iguais!
Perfeita a apreciação, das 2:56.
Torturadores e terroristas devem ser julgados sim.
Os mortos são os mortos.
Não existe "mas".
Nem mais iguais ou menos iguais.
Aliás, no caso da Guerrilha do Araguaia, é bom lembrar que a política da ditadura foi queimar todos os arquivos.
Dos guerrilheiros presos, só Genoíno escapou, provavelmente porque foi preso antes de iniciada a ação armada.
Daí pra frente, todos os prisioneiros foram assassinados. Foram trucidados quando já não ofereciam qualquer perigo a quem quer que fosse. Alguns foram assassinados depois de colaborar, por vários meses, na caça aos antigos companheiros.
Não há como justificar essas execuções.
Acho que o articulista está corretíssimo. A guerrilha difere do terror porque sua violência é direcionada. Há um alvo específico a ser atingido. Até porque a guerrilha busca a simpatia da população. Ela quer a participação política da população a seu favor. Quando alcança esse objetivo, a guerrilha torna-se praticamente invencível.
Já o terror ataca indiscriminadamente. Não quer a participação política e sim o acovardamento. Busca a vitória pelo medo.
A esquerda armada no Brasil, como regra, não se valeu de táticas terroristas.
Sua tática sempre foi a guerrilha, do tipo foquista, mesmo quando, no discurso, condenava o foquismo e proclamava adotar a guerra popular (caso do PC do B, por exemplo).
Oi Juca,
Passei rapidinho e não poderia deixar de comentar acerca do assunto.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) protocolou, no Supremo Tribunal Federal, uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 153) na qual questiona a anistia aos representantes do Estado (policiais e militares) que, durante o regime militar, praticaram atos de tortura.
No documento a Ordem contesta a validade do primeiro artigo da Lei 6.683/79, que considera como conexos e igualmente perdoados os crimes "de qualquer natureza" relacionados aos crimes políticos ou praticados por motivação política no período de 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979.
Eu tb entendo que não cabe estender a anistia de natureza política aos agentes do Estado, uma vez que estes não cometeram crimes políticos, mas crimes comuns não atingidos pela lei. Isso porque os crimes políticos seriam apenas aqueles contrários à segurança nacional e à ordem política e social.
Os agentes públicos mataram, torturaram e violentaram sexualmente opositores políticos. E mais, por se tratar de crime de tortura, entendo que não prescreve.
Nesse aspecto, a legislação internacional define a tortura como crime contra a humanidade – imprescritível também por esse aspecto. Não sendo possível que o Brasil, que é signatário dos tratados internacionais de direitos humanos, proteja agentes do Estado responsáveis por torturas, seqüestros e assassinatos.
E mais, importante que o pedido da OAB seja atendido no sentido de que sejam revelados os militares e policiais responsáveis por esses crimes, parem serem submetidos, se for o caso, ao Tribunal Penal Internacional.
Lendo sobre o grupo Brigadas Vermelhas na Itália, há um episódio curioso. Em 1978 o grupo terrorista raptou o ex-primeiro-ministro Aldo Moro. Quando um dos raptores foi preso, foi sugerido ao General Alberto Della Chiesa, chefe das forças anti-terror, que se torturasse o preso para extrair informações que poderiam salvar Moro. Chiesa respondeu: 'a democracia italiana pode sobreviver à perda de Aldo Moro, mas não sobreviverá à introdução da tortura'.
Bjs
Mary
Pois então que o senhor Fernando Bernardo nomeie os "terroristas" e os atos praticados por eles, que, com certeza merecerão o opróbrio, já que os torturadores são nomeados, conhecidos e até premiados por isso - é só lembrar o caso Riocenter e ver o que aconteceu com o militar sobrevivente, e mesmo o coronel Ulstra, incensado pelo coronel Jarbas Passarinho. Mas falar só para desmerecer a necessidade urgente de se fazer justiça às vítimas da tortura é uma maneira tortuosa de apoiar os torturadores
O Império teve como herança maldita o escravismo vergonhoso, que a República para compor com os oligarcas serviu de repasto aos cupins dos arquivos oficiais, ou fez fumaça nas fogueiras dos papéis do Águia de Haia.
Não se constrói um país varrendo a sujeira para debaixo do tapete. Há que ter coragem para enfrentar suas vergonhas, suas feridas e suas taras - ave, Nelson Rodrigues!
Não se pode nivelar o valor
das Forças Armadas àqueles que pretendem defender os que entre os seus assalariaram tarados e assassinos de ocasião - o velho mandonismo e seus jagunços - para proceder a carnificina contra prisioneiros, dentro e fora dos cárceres da ditatura militar. Essa gente merece ser julgada porque
são assassinos e torturadores, que pela oportunidade se reconhecerão entre si e gozaram suas taras sob proteção ideológica e institucional. Se as FA brasileiras os temem, estamos diante nem de uma vitória de Pirro, mas de qualquer coisa inclassificável e inaudita.
É inadmissível que o Brasil de a tais indigitados a continuidade da sombra e água fresca, quando exatamente o país luta contra o abusos aos direitos humanos. O torturador de ontem, pela impunidade, é o pai da impunidade e do espírito de corpo do torturador de hoje. Ao menos por isso, é hora do país dar um basta a essa canalhice usufruto de uma lei, com interpretação forjada no calor de uma transição histórica no mínimo confusa. Basta dessa palhaçada, apontem-se os culpados, julguem-se-os quando couber e enterremos com dignidade os mortos.
Cjk (agora sem sobrenome da OAB),
se os dados falsos porque, ao seu ver, o "contexto" justificou... Beleza!
Eu lí o artigo do Alencar, o senhor leu, muitos leram. Está lá! Quanto a(o) srª(o)anônima(o)... bem, não gosto de papo com anônima(o), justamente pela covardia. A(o)Srª(o) mandas em mim? rsrs Então eu também vou me "astrever": Vá pesquisar, a (o) srª(o)!!! Já indicaram a fonte aqui e ela foi discutida e foi precariamente contestada, com juízos de valor! Em nenhum comentário meu, falei "só para desmerecer a necessidade urgente de se fazer justiça às vítimas da tortura". JAMAIS. Recorte e cole abaixo se achar...
Não acho, no meu caso, que "é uma maneira tortuosa de apoiar os torturadores". Esse tipo de raciocínio tem sido reiterado aqui: Porquê afirma que desmereço? Porque dizes que apoio torturadores? Porque querem? Afinal, não está escrito em nenhum lugar, nem estará. Só não caio nesse papo de "contexto". Que satanize outros, Srª(o) anônima(o). Eu não aceito, principalmente porque eu assino o que eu escrevo, mas não posso me defender de quem eu não sei... sacou?
Encerro.
Fernando Bernardo
Como militar, concordo que existiu uma ditadura no Brasil, e não uma "revolução", seria muito ingênuo pesar assim. Porém foi feita uma lei de anistia, esse foi o ato errado que acabou passando. O problema que que esse instituto era previsto na Constituição passada e também está prevista na atual. Julgar esses criminosos seria revogar a anistia para eles, o que também afetaria o outro lado, que também matou, sequestrou, torturou... Parece mais uma revanche do que a busca pela justiça
Penso que não se pode interromper a história. Ela precisa continuar e cumprir o seu trajeto. Doa a quem doer.
Beijos.
Sem entrar no mérito das questiúnculas jurídicas, vou me ater ao teor central do articulista. A questão reside na relação torturadores e torturados no Brasi, não na relação Estado e terror, como tentou de infamemente ressaltar o Presidente do STF. O resto é produto de um debate ideologizado que o pensamento reacionário (não necessariamente conservador) da direita e de setores liberais tentam hoje consolidar no país quanto a essa questão. O texto do Juvêncio, penso, enfatizou com propriedade a questão proposta pelo articulista e aí, mesmo sem entrar na panfletarismo idelogizado do texto do Leopoldo, não posso deixar de concordar quanto ao suspeito despropósito do axioma tacanho de Gilmar Mendes. Esperar o quê de Gilmar? Prefiro os libelos de defesa vitupérios do Jarbas Passarinho. Pelo menos têm consistência. Com todo o respeito, Gilmar Mendes tem se revelado um escroque!
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