Por Luis Weis, sob o título Debate Interditado, no OI.
Apenas um colunista e um leitor – ambos da Folha de S.Paulo – saíram em defesa do projeto que institui o voto em listas partidárias fechadas para vereador, deputado estadual e federal.
Nos jornais e na blogosfera, a proposta é tratada como um golpe. Na mesma Folha, o duro editorial “A lei dos descarados” acusa os políticos, “não contentes com a sequência devastadora de escândalos que atinge o Poder Legislativo”, de querer “retirar do eleitor uma das poucas armas que lhe restam para combater os abusos protagonizados pelos seus representantes”.
O blogueiro tem para si que a observação da imprensa deve excluir as opiniões de órgãos de comunicação expressas em editoriais, salvo quando se desentenderem com os fatos.
Afinal, como escreveu em 1921 o jornalista inglês C.P.Scott, que dirigiu o Guardian durante nada menos de 50 anos, “os comentários são livres, mas os fatos são sagrados”.
Pode-se brigar com os fatos de várias formas. Negando-os, distorcendo-os ou atribuindo-lhes – sem demonstrar – causas ocultas.
É o que a Folha parece ter feito em relação à proposta de reforma do sistema eleitoral (que inclui a adoção do financiamento público das campanhas). O jornal trata a iniciativa como se fosse uma conspiração do Congresso para, em última análise, se lixar para o eleitor.
Evidências, como aquelas que são o pão de cada dia de qualquer jornal que se preze, são presumidas, não identificadas. Considerando que o Legislativo, com perdão pela linguagem, está mais sujo do que pau de galinheiro, ninguém que o desanque corre o risco de afrontar o público.
Dá-se de barato que nada que venha do Congresso, indistintamente, pode prestar. E que tudo que ali se faz tem uma segunda intenção: tornar ainda mais doce a vida de seus membros.
Um leitor ficou tão contente com o editorial, que escreveu que “parece que a Folha lê o pensamento dos mortais comuns, como nós”.
No Estado, antes mesmo de sair qualquer matéria sobre o assunto, três leitores se apressaram a mandar mensagens fulminando o projeto.
O clima é de que, sem mais aquela, os políticos resolveram bater a carteira do eleitor. Pudera: os jornais não os informam de que essa história rola desde meados da década passada – e que, por pouco, pouco, a mudança não foi aprovada em junho de 2007 (depois de quatro anos de trabalho a respeito de uma comissão especial da Câmara).
Tampouco se informa que as medidas propostas fazem parte do projeto de reforma política encaminhado pelo governo em fevereiro passado.
E pelo menos até esta sexta-feira, 8, nenhum jornal se pôs a comparar o sistema do voto em candidatos (lista partidária aberta), que vigora no Brasil desde 1945, com a alternativa da lista pré-ordenada, em que a escolha se dá entre partidos e não entre pessoas.
Nenhuma regra eleitoral é perfeita, porque todas são cobertores curtos. Quando atendem a um requisito da democracia, desatendem a outro. Mas – e isso também a imprensa não deu –, dos países que adotam o voto proporcional (ou o combinam com o voto distrital no chamado sistema misto) para a formação de suas casas legislativas, só quatro, além do Brasil, usam a fórmula da lista aberta: Chile, Peru, Finlândia e Polônia.
Em compensação, em 14 outros – entre eles a Argentina, Israel, Itália, Espanha e Portugal – vale a lista fechada.
Um meio-termo, o modelo flexível, é adotado na Bélgica, Holanda e países escandinavos: os partidos apresentam as suas listas, mas o eleitor pode alterá-las. Um modo de fazer isso é votar duas vezes – uma na lista e outro em um nome que dela faça parte. Conforme cálculos por sinal complicados, um candidato bem votado individualmente acaba subindo na fila, com mais chances, portanto, de se eleger. (Se a soma de votos obtidos por um partido lhe dá uma bancada de 20 parlamentares, por exemplo, ela será integrada pelos 20 primeiros nomes da relação.)
Os críticos das listas fechadas argumentam que elas reduzem a margem de escolha dos eleitores, dão poderes enormes às caciquias partidárias que controlam quem e em que posição entra na lista, distanciam os eleitores dos eleitos e criam oligarquias parlamentares (quando os candidatos à reeleição tem precedência sobre os outros nas listas).
Os críticos das listas abertas argumentam que elas “personalizam” a política em detrimento dos partidos, elevam brutalmente os custos das campanhas, gerando o caixa 2, permitem que se elejam candidatos com votações irrisórias, fragmentam o sistema partidário (na Câmara brasileira estão representadas 19 siglas) e acabam estimulando o fisiologismo na relação entre o governo e o Legislativo.
O cientista político brasileiro talvez mais familiarizado com os sistemas eleitorais no mundo, Jairo Nicolau, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) – e que pessoalmente é favorável às listas flexíveis – escreveu que, nos países do voto em listas fechadas, “não há nenhuma evidência de que os partidos sejam menos democráticos do que os de outras democracias” e que “não há nenhuma relação (comprovada) entre o sistema eleitoral e a taxa de renovação parlamentar”.
Onde está esse debate na imprensa? Aparentemente foi interditado pela teoria da conspiração aplicada ao Congresso.
É onde entram, na contracorrente do tratamento de segunda que a questão tem merecido, o colunista e o leitor citados no parágrafo inicial deste texto.
O primeiro é Clóvis Rossi, um dos mais experimentados e independentes jornalistas de sua geração. Ele critica indiretamente a própria Folha onde trabalha, ao escrever que “são pobres e completamente divorciados dos fatos os argumentos até aqui usados para vetar o voto em lista fechada”. E conclui com uma estocada na imprensa: “Enquanto o eleitorado não sofrer um choque de civilização e de informação, não haverá sistema eleitoral que funcione. [Assinante da Folha ou do UOL leia aqui].
O leitor é o sociólogo Luiz Enrique Vieira, de Osasco, SP. Ele fala de sua estranheza diante da “cobertura tão unilateral” da reforma política na Folha e sustenta que “o sistema de lista fechada induz o eleitor a uma atitude mais reflexiva no momento do voto, pois as considerações a respeito do carisma dos candidatos ficam em segundo plano”.
Em segundo plano fica, isso sim, o papel que a imprensa deveria estar desempenhando como promotora e mediadora do debate público sobre o que é, afinal de contas, a dimensão essencial do funcionamento do regime democrático: as regras do exercício do voto popular.
8 comentários:
Juca querido,
perfeito o comentário do Luis Weis. Porém, como ando muito desconfiada da indigitada imprensa nacional, penso cá que o ataque à lista fechada, só serve mesmo para confundir a cabeça do eleitor. Daí a barafunda da falta de informação ou de informações distorcidas.
A proposta jamais poderia ser contraditada dessa maneira, pois é inegável que ela fortalece os partidos e o fortalecimento deles é a base do fortalecimento institucional e da democracia. Assim, atacar o Congresso usando a lista é safadeza.
O que eu temo é que o alvo não seja o que enxergamos. Aproveitar-se da péssima imagem do Congresso e impingir aos leitores que a lista servirá às más intenções, é escamotear o objetivo principal do ataque: o financiamento público das campanhas que as elites que os jornalões representam jamais atacariam frontalmente, mas que não lhes convém em hipótese alguma.
Assim, combater a lista é,uma forma de garantir que se jogue a criança com a água da bacia.
Agora, uma pequena maldade, já que ao escrever ali acima "más intenções" lembrei da apresentação do balanço do governo Ana Júlia, disponibilizado na Internet, onde um inovador escriba perpetrou e Ana Júlia assinou esta pérola: " maus entendidos". Isso me levou a ficar uns dias pensando onde estariam os "bons entendidos"(http://www.pa.gov.br/servicos/2-anos/index.asp)
Beijão
Beijão
Olá Juvencio,
Volta o debate da lista fechada e a imprensa nacional dá o seu tom, como demonstra o autor do texto que você destaca.
Sou a favor da lista fechada, presente, de fato, na maioria das democracias do mundo.
Sobre isto, por duas vezes já me manifestei: em 2006, quando veio a tona a tentativa da reforma política; em 2007, quando se ensaiou uma reforma do que seria a reforma de 2006.
No primeiro artigo, demonstra-se que não se sustenta a tese de que a lista fechada seria uma corrutela do cacique político: se tomamos isto como premissa para rechaça-la, a lista aberta sofre do mesmo vício.
Escrevi no primeiro artigo:
"A premissa dos que são contrários às listas fechadas não tem sustentação nuclear.
O sofisma da tese está no fato de que, no ponto em que se quer diferenciar as hipóteses, elas são absolutamente similares: tanto no sistema aberto quanto no sistema fechado, quem comando a elaboração das listas é o chefe político.
Em quaisquer dos sistemas, a figura do chefe político continuará sendo o centro de gravidade: é ele que elabora, também, a lista aberta que vai a registro na Justiça Eleitoral.
Se o eleitor pensa que vota em quem quer, está, à meio ponto, equivocado: ele vota em alguém que o chefe político previamente listou para ele escolher."
Os dois podem ser lidos em:
http://www.interconect.com.br/clientes/pontes/artigos/2006/roupa.htm
e
http://www.interconect.com.br/clientes/pontes/artigos/2007/reform.htm
Obrigado
Parsifal Pontes
Meu caro Juvêncio, o problema da lista aberta no Brasil é justamente o mar de candidatos que aparece a cada eleição proporcional: a maioria deles sabe que não vai ser eleito; ou pelo menos, tem noção de suas ralas chances.
A estratégia de quase todos os partidos é lançar o máximo possível de candidatos para fazer o máximo possível de quocientes.
Assim, o eleitor acaba votando em testas-de-ferro: e sem perceber, seu voto migra para os mais votados da lista - que de uma forma ou de outra, não foram escolhidos pelo eleitor em questão.
Assim, poderíamos dizer então que a lista no Brasil é "semi-aberta": a melhor forma de resolver isso seria enxugar drasticamente o número de candidatos: se para cargos executivos temos de 4 a 7 candidatos por vaga, para parlamentar não deveria estrapolar esses valores - e não ficar aí 30 candidatos por vaga, o que não é raro.
Prezado Juvêncio,
Somos colegas do curso de Mestrado e admito que, ao longo do curso, sobretudo pelas posições defendidas pelo Professor Roberto Correa, me convenci de que devemos testar a votação em lista fechada. O Brasil tem nada menos do que vinte e sete partidos registrados no TSE e a maioria tem assento no Congresso nacional, sobretudo na Câmara dos Deputados. Imagine-se o que significa para o Executivo negociar com 27 líderes partidários diferentes!!! Ao lado da cláusula de barreira, a adoção da lista fechada colocaria termo a esta situação absurda.
Penso, todavia, que o debate sobre o assunto deve ser aberto e há, reconheço, argumentos fortes tanto a favor de uma posição quanto de outra.
Depois, mando para o seu e-mail o artigo que escrevi sobre o assunto.
Abraços democráticos,
André Oliveira.
Acho justos os argumentos de quem defende a lista fechada, mas, convenhamos, convencer a opinião pública de que a reforma política, panacéia de todos os males para alguns, tem como carro-chefe permitir que as oligarquias partidárias definam quem será eleito é esperar demais. Apostar nesse sistema como forma forçar a democratização em curto prazo dos partidos é sonhar com papai noel. É verdade, como disse o Parsifal, que a lista aberta também parte de uma definição da direção partidária de quem pode ou não ser candidato. Mas ali e acolá muitos são eleitos sem a benção das cúpulas partidárias. O que não aconteceria na lista fechada, pelo menos num bom período após sua implantação, até que os partidos se tornem democráticos. Quem tem mandato, então, navega em céu de brigadeiro, com a estrutura que tem para controlar a máquina partidária. De qualquer forma penso que é preciso mudar. O caminho das listas flexíveis, combinando definição da lista pelos partidos com a possibilidade do eleitor influenciar na sua mobilidade me parece uma transição mais razoável. Com o financiamento público de campanha, claro!
João Salame
Comentário ao post da Bia, ou melhor, para evitar "maus entendidos".
O governo mandou para o Congresso uma proposta fatiada. Aprovar a lista fechada não implica aprovar o financiamento público de campanha, ou vice-versa.
Juca,
O Jairo Nicolau em um artigo denominado "Voto personalizado e reforma eleitoral no Brasil" faz comentarios sobre o modelo de "lista flexível" ou "voto preferencial".
São citados duas variações deste modelo. O finlandês, onde o voto na lista é casado obrigatoriamente com o voto em um candidato; e o belga, onde o voto na lista pode ser associado a um voto no candidato.
Como cidadão interessado no tema, gostaria de conhecer os comentários dos blogueiros e visitantes que conhecem bem este tema.
Prof. Ludovico
Boa noite, Juca querido:
Boa noite, anônimo das 8:57:
eu havia entendido que o Projeto de Lei relatado pelo Ronaldo caiado (ai!!!) elenca cinco ou seis temas que deverão ser votados e não um a um, embora possam ser alterados. Entre os temas estão o voto em lista fechada, o financiamento público , a cláusula de barreira e nosmas para as coligações nas eleições proporcionais.
Obrigada pelo alerta.
Um abraço.
Beijão, Juca.
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