28.4.09

Sobre a Efeméride das Mídias

Por Umberto Eco, no The New York Times.

No encerramento da Escola para Livreiros Umberto e Elisabetta Mauri, em Veneza, falamos, entre outras coisas, sobre a efemeridade dos suportes da informação. Foram suportes da informação escrita a estela egípcia, a tábua de argila, o papiro, o pergaminho e, evidentemente, o livro impresso. Este último, até agora, demonstrou que sobrevive bem por 500 anos, mas só quando se trata de livros feitos de papel de trapos. A partir de meados do século 19 passou-se ao papel de polpa de madeira, e parece que este tem uma vida máxima de 70 anos (com efeito, basta consultar jornais ou livros dos anos 1940 para ver como muitos deles se desfazem ao ser folheados).
Portanto, há muito tempo se realizam congressos e se estudam meios diferentes para salvar todos os livros que abarrotam nossas bibliotecas: um dos que têm maior êxito (mas quase impossível de realizar para todos os livros existentes) é escanear todas as páginas e copiá-las para um suporte eletrônico.

Mas aqui surge outro problema: todos os suportes para a transmissão e conservação de informações, da foto ao filme cinematográfico, do disco à memória USB que usamos no computador, são mais perecíveis que o livro. Isso fica muito claro com alguns deles: nas velhas fitas cassete, pouco tempo depois a fita se enrolava toda, tentávamos desemaranhá-la enfiando um lápis no carretel, geralmente com resultado nulo; as fitas de vídeo perdem as cores e a definição com facilidade, e se as usarmos para estudar, rebobinando-as e avançando com frequência, danificam-se ainda mais cedo.
Tivemos tempo suficiente para ver quanto podia durar um disco de vinil sem ficar riscado demais, mas não para verificar quanto dura um CD-ROM, que, saudado como a invenção que substituiria o livro, saiu rapidamente do mercado porque podíamos acessar online os mesmos conteúdos por um custo muito menor. Não sabemos quanto vai durar um filme em DVD, sabemos somente que às vezes começa a nos dar problemas quando o vemos muito. E igualmente não tivemos tempo material para experimentar quanto poderiam durar os discos flexíveis de computador: antes de podermos descobrir foram substituídos pelos CDs, e estes pelos discos regraváveis, e estes pelos "pen drives".
Com o desaparecimento dos diversos suportes também desapareceram os computadores capazes de lê-los (creio que ninguém mais tem em casa um computador com leitor de disco flexível), e se alguém não copiou no suporte sucessivo tudo o que tinha no anterior (e assim por diante, supostamente durante toda a vida, a cada dois ou três anos), o perdeu irremediav elmente (a menos que conserve no sótão uma dúzia de computadores obsoletos, um para cada suporte desaparecido).
Portanto, sabemos que todos os suportes mecânicos, elétricos e eletrônicos são rapidamente perecíveis, ou não sabemos quanto duram e provavelmente nunca chegaremos a saber. Enfim, basta um pico de tensão, um raio no jardim ou qualquer outro acontecimento muito mais banal para desmagnetizar uma memória. Se houvesse um apagão bastante longo não poderíamos usar nenhuma memória eletrônica.
Mesmo tendo gravado em meu computador todo o "Quixote", não o poderia ler à luz de uma vela, em uma rede, em um barco, na banheira, enquanto um livro me permite fazê-lo nas piores condições. E se o computador ou o e-book caírem do quinto andar estarei matematicamente seguro de que perdi tudo, enquanto se cair um livro no máximo se desencadernará completamente.
Os suportes modernos parecem criados mais para a difusão da informação do que para sua conservação. O livro, por sua vez, foi o principal instrumento da difusão (pense no papel que desempenhou a Bíblia impressa na Reforma protestante), mas ao mesmo tempo também da conservação.
É possível que dentro de alguns séculos a única forma de ter notícias sobre o passado, quando todos os suportes eletrônicos tiverem sido desmagnetizados, continue sendo um belo incunábulo. E, dentre os livros modernos, os únicos sobreviventes serão os feitos de papel de alta qualidade, ou os feitos de papel livre de ácidos, que muitas editoras hoje oferecem.
Não sou um conservador reacionário. Em um disco rígido portátil de 250 gigabytes gravei as maiores obras-primas da literatura universal e da história da filosofia: é muito mais cômodo encontrar no disco rígido em poucos segundos uma frase de Dante ou da "Summa Theologica" do que levantar-se e ir buscar um volume pesado em estantes muito altas. Mas estou feliz porque esses livros continuam em minha biblioteca, uma garantia da memória para quando os instrumentos eletrônicos entrarem em pane.


Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Umberto Eco é professor de semiótica, crítico literário e romancista. Entre seus principais livros estão "O Nome da Rosa" e o "Pêndulo de Foucault".

12 comentários:

CJK disse...

O mestre Eco é o autor de uma frase que eu uso sempre.

Toda vez que alguém me pergunta se eu já li todos os livros que estão nas estantes de minha casa ou do escritório, eu respondo que uma biblioteca não é somente um depósito de livros já lidos, e sim um instrumento de trabalho e consulta permanente.

Obrigado pela transcrição do texto, ótimo.

Unknown disse...

Mestre Eco é um sábio, Cjk.
By the way ( copyright by Cjk) vc "representou" muito bem o Quinta Emenda em suas postagens sobre o domingo futebolístco. Muito bem.
Tanto que me senti desobrigado de postar alguma coisa, apesar das provocações...eheh

Carlos Barretto  disse...

Pura verdade, Juca.
Por esta razão, mantenho-me fiel aos livros e longe dos propagados e-books, como o recém-lançado Kindle da Amazon. Sobre os chamados disquetes de 3 e 1/2 polegadas, a mim não restam mais dúvidas de sua ridícula durabilidade (cerca de 4 anos) e obsolescência. Substituídos pelos CD ROMs (que prometiam no mínimo 20 anos de durabilidade), hoje observamos que eles sofrem com a oxidação, e praticamente "descascam-se" com o tempo. Especialmente os CDS R, que utilizamos no cotidiano.
Enfim, pode parecer uma paranóia conservacionista. Mas está bem longe disto. Enquanto isso, prosseguimos em nossa saga de copiar arquivos de uma mídia obsoleta para outra mais atual. E ai de quem esqueça de fazê-lo.

Abs

Lafayette disse...

Umberto Eco faz uma defesa romântica do livro (eu faço às enciclopédias, Larrouse e Barsa - leitura certa quando moleque) ps.: Ah, e também à série da Disney do "Almanaque dos Escoteiros Mirins do Huguinho, Zezinha e Luizinho" ;-).

Só que ele esqueceu dos HD's Virtuais!

A idéia é simples: Na web, várias emrpesas te oferecem o serviço de arquivar, guardar arquivos e, ainda, com a vantagem de acessá-los de qualquer computador ligado à net.

Assim, basta você escolher o que melhor lhe aproveita, de acordo com suas necessidades e pimba! Armazenar livros, e acessá-los via e-book, por exemplo.

Tem serviço "de grtátis", como o da Google - Gmail (via Firefox), com mais de 7GB, e tem os pagos, como o Dropbox, Digital Bucket, Box Net, Mozy, que vai de 10GB à Ilimitado de capacidade de armazenamento, e de 5$ à ilimitado posto que mensal, o custo.

Anônimo disse...

Eu uso o Skydrive do hotmail. 25 GB de armazenamento, essa sem duvida é uma boa dica para quem quer amazenar com segurança. O manuseio é fácil.
ABS

JC

Anônimo disse...

Adoro livros,aqui em casa existe uma biblioteca,adoramos estudar e consultar."EM NOME DA ROSA",amei.Prefiro colocá-los no Sol por alguns minuntos.

CJK disse...

Juvêncio:

Até domingo o Flamengo tem direito de estufar o peito, pois o empate saiu barato. Mas na hora da verdade, vamos ver.

Já o Remo... Cuidem-se vocês, a Pantera está solta!

Anônimo disse...

Juca,

Muito boa e oportuna essa "colocação". Digna de um excelente garimpeiro. Em alguma geração do passado devo ter vivido como traça. Adoro cheiro de livro, embora não os devore com a voracidade que gostaria. Uma traça magra, bulímica, mas traça. Por outro lado, é inegável que o meio virtual, pricipalmente para quem escreve e pesquisa, é, decididamente, um orgasmo.

André

Unknown disse...

Juca,
Obrigada por partilhar conosco o texto do mestre Eco. E ele faz uma ponderação importante, que nos lembra que ainda há um lugar para os suportes tradicionais. Na Europa, por exemplo, o vinil virou febre novamente. Talvez alguns suportes não sobrevivam tanto tempo, mas o livro, como diria Roger Chartier, já viu outras revoluções.
Ah! Por falar nisso, o "A Passo di Gambero", lançado em 2006, na Itália, é leitura obrigatória para quem quer compreender um pouco mais este início de milênio.
um abraço

Unknown disse...

Olá, doutora.
Estava em falta com vc desde a semana anterior.Desculpe-me e obrigado por sua solidariedade.
O texto de mestre Eco fez sucesso e de certa forma foi discutido ontem, lateralmente, no debate sobre Ética e Liberdade de Expressão promovido pelo Sinjor.
Abs e boa sorte aí.

Unknown disse...

Juca,
Obrigada pela torcida, totalmente necessária para acalmar a saudade de tudo e todos.
Um abraço

Unknown disse...

rsrs...mas quando, Ana.
Depois a saudade será do que passou.
By the way, torça pela sua amiga que viaja amanhã para Brasília, para o concurso de prf. adjunto em Teoria Política no IPOL da UnB.
Se der certo, não sentiremos de saudades de tudo, só de todos.
Abs e apareça sempre,tá?