Na Carta Capital, por Mino Carta.
Que plano republicano é este em um país que se diz República? Até parece que as maiores ameaças rondam o Brasil, republicano há 120 anos, e sua atual Constituição, velha de 21. O simples anúncio de que os representantes dos Três Poderes democráticos se reuniram para assinar o tal imponente e caudaloso documento presta-se a despertar, muito além de perplexidades, espanto e temores. Ou não, melhor cair na gargalhada?
Fosse este, ao contrário do que entendia De Gaulle, um país sério, teríamos fartas razões para recear uma ruptura institucional, a impor a urgência de um acordo por cima. Sim, convenhamos: a nação não parece incomodar-se com a solene encenação. Mas, assim como cabe a pergunta “que República é esta?”, também vale outra: que nação é esta?
Interpretação viável. O presidente do STF, Gilmar Mendes, denuncia há tempo a ameaça de um “Estado policial” pronto a se instalar no País, se já não teria tomado posse. Não falta quem, do lado oposto, aponte a tentativa do ministro Mendes de submeter o Brasil a um “Estado judicial”. Estaria aí o confronto em andamento?
Pode ser. Mas não se desenrola também uma luta surda, porém acirrada, dentro da própria PF? Remonto, talvez instintivamente, à Operação Satiagraha como a um divisor de águas, momento fatal que separa o antes do depois. A partir daí o circo arrisca-se ao incêndio, a despeito da tentativa bombeira da mídia. Com os habeas corpus a Daniel Dantas, Mendes ganha dimensão extraordinária, reforçada pela história fantasiosa do pretenso grampo da sua inócua conversa com o senador Demóstenes, o que o leva a “chamar às falas” o presidente da República. E o presidente? Acede ao chamado.
Decorrem implacavelmente o desterro do diretor da Abin, Paulo Lacerda, e as diversas vicissitudes sofridas pelo delegado Protógenes e pelo juiz Fausto De Sanctis. Recordo que na manhã do dia em que foi deflagrada a Satiagraha, figura importantíssima do governo (escolho o superlativo, embora avise não se tratar do presidente Lula) ligou-me para dizer: “Viu, viu o que a gente fez?”
Caí das nuvens, nada sabia. Ouvi todas as explicações do outro lado da linha, a começar pela frase: “Prendemos o orelhudo”. A figura, sublinho importantíssima, estava eufórica. Com o decorrer dos dias e dos meses mudou o tom. Quem sabe a manada tenha entrado na linha. Encontro motivos, contudo, para acreditar no delegado Protógenes quando afirma que a Satiagraha recebeu o aval do Palácio do Planalto.
Seria o destino do banqueiro do Opportunity tão decisivo para a saúde da República? Haja surpresa. De todo modo, enxergo no pacto republicano o enésimo arreglo para oferecer aos privilegiados do Brasil ulteriores e mais amplos privilégios. Acerto a bem da patota, da turma, do grupo. Do estamento, diria Raymundo Faoro, de vivíssima memória nesta redação. Algo bem mais medíocre do que a célebre conciliação das elites, mas de efeitos igualmente deletérios para a maioria dos cidadãos, sufragado pelo apoio, diria mesmo a proteção, da mídia.
Sim, que República é esta, que nação, que elites... E qual seria o país sério, democrático e civilizado em que a mídia não repercute uma grave acusação contra o chefão da polícia, suspeito de atentado aos direitos humanos?
CartaCapital, com uma reportagem de Leandro Fortes, acusou o diretor da PF, Luiz Fernando Corrêa, de ter torturado a empregada doméstica da avó da mulher nas dependências da polícia de Porto Alegre, quando lá prestava serviço. Corrêa não soube produzir explicações convincentes para o fato, e muito menos o desmentiu categoricamente. Contou, entretanto, com o costumeiro silêncio do jornalismo pátrio. Normal, normalíssimo. Estamos é no Brasil.
3 comentários:
Lendo Mino Carta percebo a dor que lhe acomete: a visão da farsa. Mas não há farsas, estão visivelmente colocados, os conflitos e as posições, entre os poderes da república.
O que talvez esteja nos levando à naúsea, no sentido existencialista de Sartre, é a inércia social.
Os sintomas são físicos,no texto de Mino Carta. Pesares sobre expectativas politicas não realizadas: respostas sem ações.
Bravo Mino Carta!, sair do teu recolhimento para expressar profunda perplexidade diante dos fatos politicos atuais é a mais perfeita tradução do teu compromisso com a Opinião Pública.
Tá, mas faltou ele atacar uma a uma - ou algumas - das medidas tomadas.
Parafraseando Caetano: ...será que De Gaulle continuará com a razão, será que a América católica sempre precisará de ridículos tiranos, será que essa nossa estúpida retórica terá que soar por mais zil anos, enquanto esses trastes inúteis exercem seus podres poderes?
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